Três toques espaçados de campainha. No teatro, são os sinais para que o público se acomode antes do espetáculo, que se divide em “atos”. Em se tratando de uma peça com as trupes Cruzeiro e Atlético de Lourdes, o correto seria seis toques. Porém, frente ao teatro de horrores promovido, no domingo passado, por parcela da diretoria do clube mandante, não cabem pequenas provocações.
1º Ato | O Atlético de Lourdes foi criado, em 1908, como uma colônia de férias para meninos ricos de famílias abastadas de Belo Horizonte, que tinham condições financeiras e políticas de mantê-los em caríssimos cursos de medicina, na então capital federal, o Rio de Janeiro. Por isso, nos primeiros anos de existência, o clube abandonou diversos torneios, pois seus “jogadores” encerravam as férias e voltavam às aulas.
Nem mesmo eles mereciam a mancha histórica proporcionada, na última semana, pelas provocações vazias, atitudes abjetas e artimanhas de bastidores de alguns diretores/administradores da ex-côlonia de férias. Toda uma sequência de mediocridades apenas para incendiar – com ódio – um simples jogo de futebol.
Do lado de cá, vivíamos dias desesperadores. Time desfalcado; moral baixa; entrevista acéfala do dono da SAF Cruzeiro e uma tabela a morder nossos calcanhares. O jogo, com cara de pesadelo, para piorar, seria no dia em que Salomé, a maior torcedora do mundo, completaria 90 anos, se não houvesse sido “assassinada por desgosto” no desastre de 2019.
2º Ato | Mas sabemos como atuam a Nação Azul e a Tuma do Sapatênis: os cruzeirenses cantando a peleja inteira e os de Lourdes como uma plateia de teatro, silenciosa, só aplaudindo ao final (e se ganhar). Por isso, marchamos em multidão para a Arena do Mundo Encantado dos Bilionários do Brasil Miséria.
Foi quando a arrogância dos falastrões se concretizou em horrores. Panfletos apócrifos (ou seja, covardes e patéticos) tentando atrelar a história do Palestra/Cruzeiro a um regime político que nem existia quando da fundação do clube; e que ao contrário disso, simboliza bem alguns políticos contemporâneos aplaudidos por investidores atleticanos em jantares privados; atitudes como a de estampar a camisa de um estuprador na sala de troféus por ter feito um gol no Cruzeiro; ou as faixas espalhadas em Belo Horizonte pela torcida atleticana, na década de 1970, saudando um sanguinário ditador militar.
Do lado dentro, alto-falantes para abafar o nosso canto de alegria; hino nacional desligado na estrofe que exalta o Cruzeiro (ação típica de um bobalhão de quinta série); oferta de serviços com qualidade pior do que nas áreas destinadas à Turma do Sapatênis e o inacreditável escracho com a dignidade humana: porta arrancadas de banheiros que seria usados por crianças, mulheres, idosos e idosas cruzeirenses. É bom lembrar que Salomé, se viva, certamente estaria no jogo e com 90 anos, seria uma vítima exposta a essa barbárie.
3º Ato | Mesmo com tudo isso, o espetáculo celeste nas arquibancadas e a vitória do nosso escrete dentro de campo deixaram os falastrões de lá imitando a própria torcida, ou seja, calados e mordendo o próprio fel.
Mas o teatro de horrores não terminou ali. Ligaram caixas de som potente para a nossa festa não ressoar pelo mundo e desligaram os microfones durante a entrevista de nosso comandante. Mas quando as cortinas da soberba do Atlético de Lourdes finalmente se fecharam, quem recebeu os aplausos foi a Nação Azul, em festa, como se fosse um sorriso gigante de Salomé.
Para a história ficará o fato: o Cruzeiro venceu aquele que é cevado há 100 anos pelo dinheiro, pela empáfia, pelas vantagens políticas e midiáticas das elites que avalizam atitudes abjetas como as assistidas no último domingo.
Ganhar ou perder, faz parte da essência do esporte. No futuro, perderemos clássicos regionais na Arena do Mundo Encantado dos Bilionários do Brasil Miséria. Como também venceremos novamente – com milho ou sem. Porém, fica o desejo de que a épica vitória do “nem tão rival assim” contra o elenco milionário do ricaços sirva, de uma vez por todas, como lição para que o Atlético de Lourdes, seus diretores e parte da Turma do Sapatênis não voltem a transformar um simples jogo de bola em um teatro de horrores, promovido por uma gente que não se preocupou em zelar pelo caráter da sua própria ave. Nem ela merecia isso.