Há baixas na exposição A dança das cadeiras, no Ponteio Lar Shopping. Depois da exclusão da peça José Pinto do Rego, assinada por Breno Barbosa, que representa um homem nu, o curador da mostra, Hogenério, confirmou que alguns artistas vão se retirar do evento em apoio ao que consideram censura do shopping. Ele não citou os nomes desses autores.
A exclusão foi decidida por Luiz Sternick, gerente de Marketing do Ponteio. Em entrevista ao Portal Uai, ele afirmou que o shopping “é família” e atrai, em média, 5, 5 mil pessoas por dia. O estilista Ronaldo Fraga, solidário a Breno Barbosa, receberá a peça em seu Grande Hotel. Para lá deverão ser encaminhadas obras de outros desistentes, como a cadeira Fluido, de Marcos Paschoalim.
José Pinto do Rego (vinílica sobre tecido, de 2019) homenageia designers de móveis como Jorge Zalsupin e Joaquim Tenreiro. “É uma brincadeira irônica com o glamour e o luxo, e, sobretudo, uma espetada na hipocrisia social, no falso moralismo e no desejo obsceno por poder, tão exaltados atualmente”, diz Breno.
COM A PALAVRA
BRENO BARBOSA/Artista plástico
Em algum momento, o senhor pensou que sua obra fosse causar polêmica a ponto de ser retirada da mostra A dança das cadeiras?
Quando tive a ideia de trabalhar a cadeira já ocupada por um homem nu, o título seria Só para macho, dando uma sacudida bem-humorada no machismo e na hipocrisia social. Nem de longe pensei na possibilidade de censura. Quando terminei o trabalho, dois dias antes da entrega, os poucos que o conheceram se divertiram tanto que achei o lado humorado mais interessante, pois o lado crítico estava óbvio. Então, troquei o título para Cadeira José Pinto do Rego. Apenas um amigo levantou a possibilidade de censura, mas eu não quis acreditar, pois pensei que um espaço que vende design e inovação não teria atitude tão retrógrada.
Como o senhor vê a questão do nu na arte?
Na Capela Sistina pode, no Shopping Ponteio não. A questão não está na nudez representada na minha pintura ou em tantas outras obras de arte. O problema está no olhar deturpado e perverso de uma sociedade hipócrita e apavorada, que supervaloriza o sexo em detrimento do amor, que se cega para a imoralidade da guerra, da corrupção, da falta de ética e de solidariedade. Ela continua sua vida zumbi, julgando por aparências e competindo por poder, além de envenenar suas crianças com o medo do próprio corpo, de seus desejos e de suas imperfeições.
Como o senhor se sentiu ao ver seu trabalho excluído da mostra?
Estou tranquilo comigo e com meu trabalho, ainda mais seguro dele. A censura me atinge é na constatação de que realmente vivemos um momento sombrio, reflexo do atual quadro político-social. Muito me entristece sentir que estamos engatinhando, perdidos em nossa evolução de consciência do humano, do reconhecimento de valores que de fato motivam a viver.
O fato de a mostra estar em um shopping influiu? Ou haveria problemas em outro lugar?
O fato de essa censura ter ocorrido em um shopping apenas dá aos autores do ato a falsa e rasa justificativa em nome de uma moral e bons costumes doentes, agonizantes e intoxicados de hipocrisia, poder e dinheiro.