Meus dias de solitude
Gustavo Caetano
Mestre do Samba Queixinho
Meu coração ainda pulsava o carnaval quando surgiu uma nova realidade. Todos aqueles abraços e todos aqueles sentimentos que foram partilhados se transformaram, de modo repentino, em solitude. Não era o pós-desfile que eu imaginava.
Nada mais contraditório ao êxtase do amor do que a exatidão da ciência. O vírus, que se multiplica com a destreza de uma chamada precisa de repinique, me trouxe uma vida bem diferente.
Hoje, minha imunidade física e mental depende dessa solitude. Estar recluso não significa sofrimento. Ao contrário, me manter isolado é uma grande oportunidade para me tornar mais resistente, mais forte e mais determinado a seguir com as minhas lutas. Não posso deixar que mais um coronel, com anel de doutor, me distraia. Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou... Lembram-se?
Talvez, no turbilhão de todo dia eu estivesse me distanciando dessas batalhas, ou talvez não. Nunca vou saber, porque nunca mais estarei naquele lugar. Não posso e não quero voltar para a realidade que não existe mais.
Quando fraquejo – porque, sim, os dias ruins existem –, tento trazer de volta um olhar de afeto que me atingiu quando subíamos a Rua da Bahia juntos, em coro, cantando Carinhoso. Afinal, “meu coração/ não sei por que/ bate feliz/ quando te vê”...
Às vezes funciona, às vezes não – e tudo bem!!
Minhas certezas? O carnaval é efêmero e a quarta-feira sempre chega. Mas, todos os anos tem o nosso fevereiro. E quando ele chegar, não importa quando isso vá acontecer, estaremos mais unidos do que nunca, com o mesmo coração pulsante e prontos para dar e receber todos os abraços que esta quarentena nos tomou.