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O ator Luiz Arthur é o convidado do Diário da quarentena

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40 dias! 40 dias, eu sei. Mas aqui, na frente do computador, pensando sobre o que escrever, eu voltei no tempo. Então... “Era uma vez” 40... anos. Quando chegaram os 40, me bateu uma crise, pensando que depois que a gente entra no enta, não sai mais. Aí vieram os 40 anos pra eu começar a pensar de uma forma diferente. Não que fosse uma outra pessoa, mas houve uma mudança, uma transformação que foi só aumentando. Isso de priorizar coisas que até então não tinham
tanta importância. Que muitas vezes
 passavam batido.



Não é isso que a maioria das pessoas tem feito agora? Neste momento? Reparar com olho clínico tudo à sua volta? Caçando de forma quase microscópica cada detalhe que faz parte do dia a dia de cada um?

Preciso confessar: pelo menos um TOC novo deve ter surgido desde o início da quarentena. Sabe-se lá. Não existe álcool gel suficiente pra agir no peso das consciências. Deixa pra lá. Mas agora, aqui no home office, me reinventando com as aulas de teatro, coordenação de escola, e-mail, WhatsApp, Facebook, tentando enxergar as gotinhas de suor, o brilho no olho de cada aluno que manda vídeo caseiro com o seu exercício, com a sua criação solitária... Porque aquilo gravado pelo celular, definitivamente, não pega tudo.

Não contagia. E já peço desculpas por usar uma palavra tão em voga. Não é como se fosse ao vivo. Mas aí entra o tal do imaginário. Que é uma coisa maravilhosa. O que a gente, artista, transforma aqui dentro da cachola... Como diz um querido amigo meu: “O catupiri que tá aqui dentro também precisa de ginástica”. Embarcar na imaginação tem sido um conforto e tanto. Um alento. OK, a pessoa tem de querer essa viagem. Nunca, nunca desde que me entendo por gente, escutar as palavras, ver o movimento das pessoas, escutar a respiração delas, o sorriso, fez tanto sentido. Exigiu tanto da minha imaginação.

Aqui, no isolamento, ainda mais enclausurado dentro do meu escritório, que é apertadinho, mas tem tudo do jeito que gosto, cercado pelos cartazes dos espetáculos que eu e Cynthia fizemos, pela minha cafeteira, porque com ela a vida fica muito mais fácil. É ou não é? Pelo bonequinho do JohnMcClane, pela bombinha de asma, olhando o quadro com minhas miniaturas de carros antigos, com a biografia da Elza Soares ainda pra terminar, com as fotos das mulheres da minha vida, um monte de mimos da minha cerveja predileta – todo o mundo sabe qual é.



Enfim. Tô com saudade, sim, dos amigos. Tô com saudade da família que a vida me deu. Como faz falta, como diz a peça do Naum, “um beijo, um abraço, um aperto de mão”. Olha só, mesmo assim, mais uma confissão: tenho tudo, tudo na minha casa. Meus quatro filhos felinos, minha filha, minha esposa e até as tarefas do lar, como o fogão que acabei de deixar brilhando, me deixam realmente, profundamente, sinceramente feliz. E todos os detalhes que cada um deles me dá nessa imersão, que no primeiro momento parece sem fim, mas vai passar. Simples assim. Esses 40 dias me fazem pensar nos 40 anos, nos 45, quando parei de comer carne. E em todas as minúsculas e enormes mudanças que, agora, depois dos 50, me deixam a deliciosa sensação de que, na quarentena, me vejo maior. Mesmo depois de tirar a barba e de ainda estar procurando pelos cantos da casa o queixo desaparecido.

Aos 51, acredito que, na quarentena, tenho a chance de realmente me reinventar e ser ainda melhor para os outros. Melhor comigo mesmo. Porque “o caminho... é pra dentro!”.