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Estado de Minas ISOLAMENTO SOCIAL

Livros e a natureza, os companheiros de Priscila Freire

No 'Diário da quarentena', a ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha revela que aproveita os dias de isolamento para cuidar da horta e reler os autores preferidos


postado em 31/05/2020 04:00 / atualizado em 31/05/2020 07:41

Priscila Freire
Gestora cultural

Não tenho nada sobre a cabeça a não ser o verde das árvores. Não tenho nem janelas nem portas próximas que possam me espiar ou que as possa ver. Estou cercada por uma muralha onde apontam orquídeas, jasmins, trepadeiras estranhas e, no momento, as aranhas constroem mil teias em todas as direções. Quando chove e em seguida aparece o sol, fica tudo brilhando, as teias parecem semeadas de brilhantes.

Escolhi viver junto à natureza e estar perto dela é um prazer constante. A minha horta deve ser replantada, mas tenho alho-poró, sálvia, manjericão, coentro, salsa, cebolinha, alecrim e orégano. Vou lá todas as manhãs buscar temperos frescos. Meus dois paulistinhas vão comigo e quando aparece algum menino em cima do muro, latem muito. Tenho um pé de canela para o chá. Agora há bananas, mexericas e abacates, mas as galinhas estão de greve...

Recebo dois jornais, O Estado de S. Paulo e Estado de Minas, vejo-os logo depois do almoço e seleciono as notícias. Como não posso sair, tenho experimentado novas receitas com a cozinheira que trabalha comigo há 14 anos. Só nós duas entramos na casa. E ela não sai. Assim, os outros empregados nos veem de longe.

Tive de ir ao banco para tirar cheques, mas qual foi minha surpresa ao ver que no caixa eletrônico só liberam quatro folhas. Ora, saí de máscara com vidrinho de álcool dentro do carro, e o banco fazendo economia de cheques...

Sempre tivemos uma boa biblioteca em casa, líamos muito. Porém, trabalhando na área de museus, lia sobre o assunto que me ocupava na época. Afinal, é um tema muito presente em todo o mundo. Aqui, tenho livros que gostaria de reler, como Em busca do tempo perdido, de Proust, que você só lê quando tem silêncio e calma à sua volta. Outros que não li e aguardavam a hora são 1822, do Laurentino Gomes – ah!, a Independência do Brasil –, e um livro sobre dom Pedro I. Com todas as infinitas dificuldades – ainda não sanadas –, conseguimos a independência de Portugal, o que não significa estarmos livres, mas sempre mais dependentes de tudo e de todos.

Como não tenho partido político nem time de futebol, observo a massa que corre ora pra cá ora pra lá neste país que tenta ser sério, mas ainda não chegou à maturidade. Em casa de pouco pão, todos gritam e ninguém tem razão, afirma o ditado.

E agora, essa pandemia nos olha atrás da porta, assustando. Nos mandam ficar escondidos, como na brincadeira de pegador.

Bem, à tarde vou ao computador. Escrevo minha autobiografia, cansativa de tantas histórias. Mesmo com a memória razoável que tenho, devo pesquisar para não confundir datas e fatos.

Com relação às expectativas, o que pensar? Tenho um amigo em Milão, que está com a mulher e dois filhos num apartamento aguardando a ordem de sair à rua. Sinto falta da família, de ir ao cinema e de comer um bacalhau aos domingos, aqui no Anella, com o José Alberto Nemer, bebericando um Crios argentino, fresquíssimo.

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