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Sérgio Abritta: 'O tempo é um bem tão precioso quanto a vida'

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Dizem que as pessoas se acostumam com tudo. Isso pode ser verdadeiro pra nós, que temos uma vida minimamente estruturada. Mas certamente não é verdadeiro pra quem tem pouco ou quase nada. Não se pode exigir que um trabalhador permaneça em casa, trancado com sua família, se não se oferecer a ele a possibilidade de uma subsistência digna. Isso se não falarmos das milhares de pessoas em situação de rua, que simplesmente não têm onde tentar se esconder do inimigo.



Então, acostumar-se com a privação da liberdade, num ambiente organizado, ainda mais sabendo que essa restrição não nos é imposta de forma violenta ou autoritária, mas como pressuposto básico para nada mais nada menos do que continuar a viver, não pode nem de longe constituir um flagelo.

Entocados, com os “olhos brilhantes como os da fera que defende a entrada do seu fojo” (verso do genial poeta mineiro Ascanio Lopes Quatorzevoltas, do movimento modernista Verde, de Cataguases, morto, em 1929, com apenas 23 anos de idade), esperamos o dia em que a cidade desperte e a peste tenha simplesmente desaparecido, como num passe de mágica.

Enquanto isso, tentamos nos adaptar a uma outra forma de vida, onde o supérfluo ocupe seu verdadeiro lugar no compartimento das coisas que não servem para nada. 
E talvez nossa maior descoberta tenha sido a de que a arte não faz parte da categoria dos produtos prescindíveis.



Ando pelo apartamento, no tempo que já não me falta depois do trabalho remoto, e vou catando ao acaso as obras que foram listadas através dos anos e que jamais chegaram ao topo das consideradas inadiáveis: o livro perdido de Meruane, o romance póstumo de Bolaño, a peça inacabada de Pirandello, os textos escolhidos de Marighella.

Depois, passo às estantes de filmes e me pergunto a razão de ter tardado tanto a (re)vê-los. Lá estão Varda, Resnais, Truffaut, Scola, todos empilhados numa espera injustificável.

Não satisfeito, procuro na web pelas peças a que não assisti, concertos que perdi, museus que nunca visitei, mas não com o propósito de vê-los todos e urgentemente e, sim, de escolhê-los a dedo, pacientemente, para quando e se quiser.

Chego, então, à conclusão de que o tempo é um bem tão precioso quanto a vida, porque afinal ele se confunde com a existência. Desperdiçá-lo, no fundo, é atentar contra nossa própria humanidade.

Se a pandemia nos deixar um legado, será o de que é necessária uma outra forma de existência, ou melhor, de coexistência, onde viver não seja só arranjar formas de passar o tempo, mas, sim, de reinventá-lo. Um tempo em que o tempo seja uma dádiva e não uma aflição e que todos, e não somente alguns, o tenham. Um tempo, enfim, de ressignificação.