Diário da quarentena
Uma dicotomia
Flávia Rios
Empresária
Dez, vinte, trinta dias.
E lá se vão seis meses de um ano que começouacabando.
Entre uma live e outra, a vida corre presa.
Saiu na rua? Lave as mãos.
Chegou compra do supermercado? Álcool gel.
É aniversário do amigo? A festa acontece em algum dos milhares de links do mundo virtual.
E a vida real? Esta vem ganhando novos contornos. Piores? Não sei.
Mas o parar do mundo diante de um vírus que morre com água e sabão assusta o olhar e aguça a imaginação. E daí?
E daí que a vida mudou, ou não.
Dicotomia. Talvez esta seja a palavra que melhor traduza tudo isso.
Bem e mal.
Próximo e distante.
Igual e diferente.
Mas o que gosto mesmo de ver são os detalhes do olhar do ser humano. E esse me encanta.
O carinho do vizinho, a quem durante anos você se limitou a dizer um bom-dia de elevador, e agora compartilha um bolo ou recebe a gentileza de um bilhetinho de ajuda.
A manicure, visita semanal, recebeu muitas semanas sem trabalhar. Um jeito diferente de embelezar a vida.
O pai idoso, relegado à sobra de tempo, foi trazido pra perto. Bem pertinho. E ali foram redescobertas memórias e histórias.
E o médico, há muito esquecido nas páginas dos livros do plano de saúde, esse foi aplaudido da varanda, da janela, de dentro de nossas casas, enquanto desbravava os corredores frios e temerosos dos hospitais.
Ah, e os professores. Esses guerreiros eternos ganharam as salas de nossas casas e assento cativo nos nossos corações. Reinventaram, redescobriram, muitas vezes apenas traduziram ou foram superação pura, cuidando de suas casas, amamentando seus rebentos e, ainda assim, encantando nossos filhos com a capacidade mágica de ensinar, mesmo que a distância.
Ah, a COVID.
Marcas eternas na nossa rotina.
Mudanças inenarráveis na nossa história.
Pra muitos, um grande tormento.
Pra tantos outros, um grande aprendizado.
Mais uma vez, uma dicotomia.
Vou escolher olhar pelo prisma positivo do crescimento humano.
Saúde!