Já contei aqui que três schnauzers fazem a alegria na casa de minha mãe, onde sigo em home office. A família deles deixaria Nelson Rodrigues ruborizado. A mais velha é mãe da mais nova, que é filha do irmão com a mãe. Histórias à parte, Lindinha, “senhorinha” de 13 anos, nos passou um susto. Ficou internada vários dias para tratar um grave problema neurológico. Naquele vaivém, percebi a importância da medicina veterinária. Foi doloroso ver a cachorrinha daquele jeito.
“Há 25 anos, a medicina veterinária era essencialmente clínica e até mesmo intuitiva. Realizar um simples hemograma era muito difícil. Não havia a cultura do cuidado. Nós tínhamos de pedir a laboratórios humanos que fizessem os exames dos pets, quase um favor”, conta a médica-veterinária Patrícia Silveira.
Hoje, hemograma, perfil bioquímico e urinálise são feitos em poucos minutos em clínicas especializadas. “Raios X digital é uma realidade, agilizando diagnósticos. Ultrassom é exame de rotina, temos diagnósticos em tempo real. A tomografia veterinária já existe em alguns centros de diagnóstico de BH”, comemora Patrícia.
Cuidar de animais era sonho de infância dela. A professora do Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm) conta que, recentemente, vestibulandos de 60 anos foram aprovados para cursar medicina veterinária. “Muitos passaram a vida com esse sonho e só agora puderam realizá-lo”, comenta.
Sobre Lindinha? A danada vai bem, obrigada. Às vezes, meio trôpega pela casa afora. Mas se ela percebe movimentos estranhos, late com a força que tinha na juventude.
Pets estão cada vez mais “humanizados”. O que há de positivo e negativo nisso?
Para os pets, o lado positivo é que estão sendo bem cuidados. Têm boa alimentação, cuidados ideais de higiene e prevenção de doenças, com vacinas e medicamentos disponíveis. O convívio próximo com tutores possibilita observar precocemente alterações de comportamento ou sintomas de doenças. O lado negativo é que eles passaram a ter menos companhia de outros pets e mais companhia de seres humanos. Perderam um pouco as características instintivas, como caçar e reproduzir. Isso traz problemas de comportamento – ansiedade, compulsão alimentar, lambedura traumática das patas. Para os tutores, o lado positivo é substituir a ausência das pessoas de seu convívio por pets. Animais reduzem a solidão, ajudam nos processos de depressão, são companhias alegres. O lado negativo é quando tutores levam essa relação a níveis extremos, começam a viver em total dependência dos pets. Deixam de sair de casa, de viajar. O ideal é sempre buscar o equilíbrio na relação pet-tutor.
Em alguns casos, o veterinário prescreve remédios usados por humanos. O que você acha disso?
Antigamente, eram poucas as opções de medicamentos veterinários. Tínhamos que usar medicamentos humanos. Mas a indústria farmacêutica veterinária evoluiu muito, hoje podemos escolher. Alguns medicamentos agem da mesma forma em humanos e em animais, mas outros prejudicam o pet. Um exemplo é a classe de anti-inflamatórios. Produtos para humanos fazem muito mal a cães e gatos. Já temos para eles anti-inflamatórios com segurança comprovada. Antibióticos, vitaminas, produtos para uso otológico... Cada dia mais, a indústria farmacêutica nos entrega estudos de eficácia e segurança. A classe de medicamentos para prevenção de ectoparasitas, como pulgas e carrapatos, tem sido muito pesquisada, com excelentes resultados.
A leishmaniose assusta tutores de cachorros, pois pode levar ao sacrifício do animal. Tem como evitar isso? O que mudou no tratamento desta doença?
A leishmaniose visceral canina é endêmica em todo o Brasil. Não há estados livres dela. Em 2016, foi aprovado medicamento para uso em cães. Junto disso veio a possibilidade legal de tratar os cães positivos. Foi um marco. Atualmente, a eutanásia, nos casos de leishmaniose canina, deixa de ser obrigatoriedade, passando a ser opção. Porém, o tratamento não é simples. Muitos cães desenvolvem complicações e nem todos têm sucesso com o tratamento. A melhor alternativa é a prevenção, manter o pet longe do vetor que transmite a doença. Há inseticidas e repelentes em forma de coleira, spray e spot-on que fazem esse papel. Também há a possibilidade de vacinar os cães. Como nenhum método é 100%, indicamos dois métodos diferentes de prevenção nas áreas onde a incidência for muito alta.
Qual é o maior temor do dono de gato?
Felinos domiciliados, que não saem de casa, têm problemas urinários desencadeados por estresse, fruto do tédio, falta de atividade e, às vezes, do acúmulo de gatos em um mesmo ambiente, com disputa territorial por vasilhas de água, comida e caixas de areia. Animais que não saem à rua precisam ter ambiente com prateleiras e brinquedos, ou seja, manejo ambiental. Felinos não domiciliados, que saem para passear, já têm incidência maior de viroses e esporotricose (micose). Sair à rua e ter contato com outros gatos predispõe a brigas, facilita cruzamentos. Nesses momentos de contato, ocorre a transmissão de doenças. Recomendamos castrar o gato em torno dos 6 meses de idade, além de impedir que ele saia à rua por meio da instalação de telas em janelas e muros. Deve-se vacinar e testar, por meio de exames, os pets que venham a fazer parte da família.
Como o poder público deve lidar com cães e gatos sem dono, soltos pela cidade?
É necessário agir em várias frentes. Informações sobre posse responsável, cuidados e maus-tratos devem ser dadas já na escola, ainda no ensino infantil. O controle populacional deve se dar com campanhas de castração em massa. É preciso oferecer serviços públicos veterinários para todos que não podem pagar. É importante fazer cumprir leis para impedir maus-tratos, além de estimular a associação de departamentos públicos e privados com ONGs. Juntos, eles podem promover ações nas áreas de vigilância sanitária, meio ambiente e procuradoria, além de estimular a criação de hospitais-escola veterinários.