A pandemia, quem diria, “abateu” uma das frequentadoras mais constantes da edição de fim de ano da coluna Hit. Top, citada como a palavra mais chata nas cinco edições passadas do concurso, nem sequer foi lembrada neste 2020 pandêmico.
Para fazer a lista das chatas do ano, a coluna ouviu alguns convidados que participaram do Diário da quarentena, projeto de sucesso deste espaço que registrou em crônicas o pesadelo da COVID-19.
Novo normal foi quase unanimidade. “Confesso, usei. Mas já deu, né?”, afirma o designer Gustavo Greco. “Considerar que o que estamos vivendo – sem poder abraçar quem gostamos, com quase duas centenas de milhares de mortos em um país desgovernado – é o que esperamos chamar de normal seria no mínimo conformismo em excesso”, pontua.
Phillipe Martins aponta três de uma só tacada: reinventar, inovar e pensar fora da caixa. “São palavras muito chatas”, resume, irritado com o “culto” a elas. “Viraram chavões tão populares que acabaram perdendo o sentido e passaram a ser usadas apenas impressionar”, afirma.
Para o advogado Leo Maximo, com a chegada da pandemia, o teletrabalho se tornou realidade e, com ele, duas palavras chatíssimas viraram onipresentes. “Call e o invite para participar da tal call. Temos palavras em português que substituem perfeitamente as duas”, critica
Live, outra palavra que emergiu na pandemia, é lembrada por Rogério Tavares, presidente da Academia Mineira de Letras. “Por que não dizer conversa ao vivo? Não faltam palavras à língua portuguesa... Como me disseram outro dia, o perigo da segunda onda da pandemia é a segunda onda de lives”, diz, bem-humorado.
Rogério afirma que há as boas palavras de 2020, como Clarice. “Que bom que nos lembramos de celebrar o centenário de nascimento de Clarice Lispector. O legado dela foi reativado, nem tudo no país foi dominado pela ignorância e pela truculência. Viva a sofisticação e a elegância de Clarice!”
NOVO NORMAL
>> “Primeiro porque é presunçosa. Como se alguém tivesse a capacidade de prever o futuro. Sinal dos nossos tempos e seus especialistas do Instagram. Depois dos especialistas em barragem a montante, em bacias hidrográficas urbanas, em infectologia e imunidade, temos os especialistas em futuro. Acham que a humanidade, ou o ser humano, vai se transformar permanentemente por causa de seis ou 12 meses de vida contingenciada. Já deviam ter aprendido com a máxima cantada por uma pessoa muito mais inteligente do que eu: de perto ninguém é normal.”
. Daniel Zago
Produtor
>> “E precisa de justificativa? (rs) Como você pode chamar o que estamos vivendo de normal? Isso não é normal. Essa expressão me irrita profundamente. Vamos esperar acabar, aí a gente volta a ser normal.”
. Rogério Flausino
Vocalista da banda Jota Quest
>> “Morro de dó de adjetivar uma palavra como chata, ainda mais quando ela já vem acompanhada de um epíteto. Mas esse termo me cansou em 2020, pois não sou lá de achar muita coisa normal e tive grandes dificuldades de abdicar de velhos hábitos e aceitar ser considerado démodé assim de supetão. E, o que é pior, como se já tivéssemos vencido a batalha contra o vírus e pudéssemos viver plenamente, sob novas condições, limitantes, porém supostamente melhores e automatizadas. A conferir se o que apregoam como novo e, claro, normal há de nos proporcionar essa abdução a uma Terra curada de anormalidades.”
. Vander André Araújo
Escritor e estudante de filosofia
>> “Foi criada na esperança e no desejo, muitas vezes bem-intencionado, de que seria possível conviver bem com a pandemia no cotidiano ou de que ela passasse rápido, ou de que fosse apagada da história, como um transtorno provisório. Não tem sido fácil conviver com ela no dia a dia. Ela não passou, não vai passar tão cedo e não será apagada. Vai deixar milhares de mortos e sequelas graves e duradouras em muita gente. Não há nenhuma chance de nada normal no horizonte...”
. Rogério Tavares
Presidente da Academia Mineira de Letras
>> “Nada foi mais canseira do que essa expressão e seus gurus, todos com suas bolas de cristal, ditando regra e certeza.”
. Marco Túlio Lara
Guitarrista da banda Jota Quest
>> “Por mais que eu saiba a importância das medidas de distanciamento social, não consigo aceitar como normal não poder estar próximo dos que gosto, sair sem me preocupar. Esta, sem dúvida, é a expressão mais chata de 2020!”
. Breno Mello
Oftalmologista
>> “De legítimo esforço para entender o mundo pós-pandemia, virou um jargão barato e insuportável. Campanhas de marketing de todo tipo, palestras motivacionais, reuniões por vídeo, textões nas redes sociais. Foram tantas ocasiões usando novo normal que já deu.”
. Guilherme Gimenez
Administrador
>> “Não se sabe como será, quando será e se será. A única certeza é que não será novo. Será impermanente, como sempre carregado de vestígios do passado e de uma visão estreita do futuro.”
. Letícia Bhering
Produtora
>> “Muita gente procurando descobrir algo 'novo' e forjar uma normalidade onde e quando o mundo desabou nas nossas cabeças! Tudo ficou absurdamente anormal. Nunca mais vou me esquecer deste ano de 2020.”
. Juliana Caldeira Borges
Psicanalista
>> “Novo normal é muito chato. Lembra de todo o contexto da pandemia e diminui a atenção que devemos dar aos cuidados na quarentena. Para quando me perguntam como estou, inventei o 'novo bem', que é o bem, só que dentro do novo normal. Estou vivo, na medida do possível, não tentei matar ninguém, não fui à falência, não enlouqueci. Como você está? Estou o 'novo bem'.”
. Bruno Motta
Ator
JACARÉ
>> “Mary Anning, considerada a 'primeira paleontóloga', descobriu no século 19 fósseis de dinossauros, provando que as crenças aceitas não se encaixavam com essas novas descobertas. Ela teve nove irmãos, sendo que cinco deles morreram antes dos 4 anos. Tristeza? Sim, mas era algo comum por conta da falta de vacinas. Ao ouvir a palavra jacaré, penso que colocar em xeque a eficácia e a importância das vacinas é algo tão antigo quanto os dinossauros. Espero que não sejamos extintos como eles em virtude da nossa própria ignorância.”
. Jacques Fux
Escritor
GRIPEZINHA
>> “Dita pela maior autoridade do país na atitude de negar a pandemia que destruiu famílias, levou à morte milhares de brasileiros.”
. Osias Neves
Escritor
>> “Revela o negacionismo do governo diante de uma crise de saúde mundial e o seu descaso em um momento em que o país precisava de políticas efetivas para combater o vírus.”
. Luciana Gomez
Advogada e compositora
MAS
>> “O que tem me irritado mais, hoje em dia, é a palavra mas. Nestes tempos de pandemia, sempre tem alguém com um mas para justificar o que o governo faz de errado ou o egoísmo.”
. Rodolpho Araújo
Publicitário
DISTANCIAMENTO
>> “Ficar longe das pessoas que amamos, não poder abraçar, beijar, apertar as mãos, acariciar, é muito difícil e triste, nos deixou ainda mais sensíveis e vulneráveis. Definitivamente, não nascemos para ficar isolados.”
. Rodrigo Cezário
Consultor de moda
NÃO
>> “Não pode sair de casa sem necessidade. Não pode abraçar as pessoas. Não pode promover aglomerações. Não pode ir a festas. Não pode se esquecer de lavar as mãos ao chegar da rua. Não pode deixar o álcool em gel em casa. Não pode entrar em casa com o calçado usado na rua. Não pode apertar o botão do elevador com o dedo. Ufa! Não aguento mais.”
. Cidinha Ribeiro
Escritora
DESAFIO
>> “Desafio de se adaptar, desafio de combater, desafio de vacina, desafio de mais vagas em hospital, desafio do presidente... É muito desafio. Desafio virou algo banal.”
. Henrique Carsalade
Ator
CANCELAMENTO
>> “Palavra mais chata e incômoda, que trouxe uma soberba absurda para muitos que promoveram, sem a menor empatia, o linchamento virtual de outros. Fora, é claro, ver os tantos flyers de eventos com letras garrafais: cancelado.”
. Fernanda Mello
Escritora
PLENA
>> “A pessoa faz foto forçada, cheia de pose e olhar para
o vazio. E a legenda: Plena.”
. Odette Castro
Bióloga
COVID
>> “Sem explicação.”
. Paulo Rossi
Produtor
>> “Palavra que gerou outras em rima rica, cloroquina e vacina, em rima pobre mais duas, a não crença na ciência, e, por fim, outra rima rica de polarização com o povão.”
. Maurício Tizumba
Músico
>> Primeiro pelas consequências em si... Depois por todos os desdobramentos e impedimentos! Xô, COVID!
. Fernanda Bicalho
Administradora
LIVE
>> “Tudo virou... live. Com isso, tanto a palavra quanto a própria transmissão ao vivo foram completamente banalizadas. Muita gente fazendo transmissões superlegais, mas tem gente com mais medo do retorno das lives do que do retorno do lockdown (hehehe)”
. Henrique Gualtieri
Fotógrafo
>> “Embora tenha sido uma estratégia para lidar com o isolamento social, com muito conteúdo interessante sendo produzido, foi também um lembrete constante – e insistente – dos limites e transformações do cotidiano impostos pela pandemia.”
. Flávio Carrilho
Fotógrafo
GRATIDÃO
>> “Essa obrigação de você ter que agradecer tudo o tempo todo é massacrante. Gratidão porque conseguiu ir para uma praia paradisíaca no meio da pandemia é fácil, quero ver ter esse discurso no meio da batalha que muitos de nós estamos enfrentando este ano. Temos que agradecer as conquistas, mas não podemos romantizar as derrotas.”
. Fernanda Ribeiro
Jornalista
>> “O excesso de uso a vulgarizou, tornando fútil – e quase resposta pronta – o seu sentido. Gratidão em 2020 virou o oposto do seu significado mais bonito, e é, disparado, a palavra mais chata do ano!”
. Antônio Grassi
Ator e diretor-presidente do Instituto Inhotim
PROCRASTINAÇÃO
“Uma palavra pouco usada que virou parte da vida de todos nós na pandemia. E é chata viu?!?”
. Agnes Farkasvolgyi
Chef de cozinha
PRIVATIZAR
>> “Se tornou a única arma para a solução de todos os problemas do país, sem levar em conta se essa medida realmente beneficiaria a população.”
. Marcella Souza
Pedagoga, intérprete de libras e brailista
PAREDÃO DO BBB
“Em um ano tão raro, em que fomos obrigados a aprender muitas palavras, expressões e conceitos, cito duas palavras que, de tão comuns, já se tornaram quase uma expressão. Paredão do BBB, com as palavras mais chatas não somente deste, como também dos últimos anos. Principalmente para quem não acompanha o que ocorre no reality show no ano em que o confinamento foi obrigatório a todos nós, sem premiação no final.”
. João Pedro Nemer
Artista plástico
BRABO/BRABA
>> “Vem do bravo/brava e é usada, em muitos casos, para substituir a palavra top. Só escutei homens de 20 a 40 anos falando, normalmente se referindo a algo de si mesmos. 'Essa música é a braba!'. 'Foi brabo'. Para 2020 não poderia surgir uma expressão melhor ou pior! #choremos”
. Rodolfo Brito
DJ
BLOG
>> “O que começou como uma forma de manter as pessoas ligadas ao mundo exterior acabou sendo uma forma de mostrar fake likes. Ficção do belo e feliz. Existem raras exceções.”
. Romero Pimenta
Empresário