entrevista de segunda
Laura Scofield
Vexilóloga
Você pode não conhecer o termo. Mas vexilologia significa estudo de bandeiras, estandartes e insígnias e de sua simbologia, uso e convenções. O tema será projeto de livro da designer mineira Laura Scofield, que faz doutorado na School of Visual Arts de Nova York. A ideia surgiu durante o mestrado, no ano passado, quando ela criou o Vexilogues, projeto de podcast.
“Queria sair da questão do patriotismo e debater a presença e a importância das bandeiras em nossa cultura visual como um todo”, explica. “Um professor meu, Spencer Bailey, da editora Phaidon, gostou muito da ideia e perguntou se eu não topava montar a proposta de um livro. Ainda estou desenvolvendo o conteúdo, sondando a parceria da Anne Quito, jornalista e crítica de design 'fera' daqui de Nova York, para colaborar comigo. Se tudo der certo, acredito que lançaremos em 2022”, diz.
Filha caçula de Fátima Scofield, referência da moda em Minas, Laura cresceu dentro do showroom. “Ela é a minha fonte de inspiração, exemplo de determinação e coragem. Minha mãe me incentivou, desde pequena, a estudar arte e a dese- nhar. Recentemente, perdi a minha avó e sei que a criatividade e a estética vieram dela também.”
Laura passa o lockdown em um pequeno apartamento no Brooklyn. “Sem sair de casa, mesmo!”, diz. Começou a praticar yoga, jogar videogame e cozinhar o tempo todo. “Foi pesado aqui em Nova York, é barulho de sirene dia e noite sem parar, muito triste”, conta.
Ela fez projetos de pesquisa para o Estúdio Pentagram e foi chamada para montar o time de design da startup australiana Quadpay. “É muito estranho. Já se passaram meses e ainda não vi quase nenhum dos meus colegas de trabalho ao vivo!”, espanta-se.
"A ideia da bandeira de calça de moletom me fez sorrir em meio a tanta tristeza"
Você é designer, trabalhou na área de moda com sua mãe, Fátima, e estuda na School of Visual Arts, em Nova York. Como surgiu o interesse pelas bandeiras?
Logo após o meu primeiro mestrado em design, na Uemg, em 2017, quando pesquisava o simbolismo e a popularidade da AK-47, uma das armas mais icônicas e letais da nossa história. Lembro-me de ficar muito encucada com o fato de a bandeira de Moçambique ter uma AK-47. Pensei: Como assim? Por que a bandeira de um país tem uma arma dessas como símbolo nacional?. A curiosidade acabou se tornando tema da minha pesquisa no mestrado da School of Visual Arts. Viver em Nova York foi crucial para pesquisar as bandeiras como cultura visual. Em qualquer esquina, seja em mastros, fachadas, museus e até no metrô, você sempre dá de cara com a bandeira dos Estados Unidos.
Qual é a importância do estudo da história, simbolismo, design e uso de bandeiras, estandartes e insígnias?
A vexilologia é bastante abrangente. O termo foi cunhado em 1961 por Whitney Smith, um dos vexilólogos mais respeitados. É o estudo científico da história, do simbolismo e do uso de bandeiras ou, por extensão, de qualquer interesse em bandeiras em geral. O que mais me fascina é como e o quanto conseguimos aprender e discutir sobre história, geografia, sociologia e cultura por meio do design de uma bandeira.
A cultura brasileira é repleta de estandartes, especialmente as festas religiosas. Sem esquecer os estandartes de carnaval...
Estandartes e bandeiras continuam vivos, permeiam a cultura popular por ser uma forma visível e tangível da própria cultura. Creio que sejam artefatos singulares pela capacidade de transformar formas, símbolos e cores em um elemento palpável. Na minha pesquisa, discuto um pouco esse fenômeno e a capacidade do design de enxergar possibilidades ilimitadas de tradução da cultura por meio de narrativas gráficas tão simples como círculos, quadrados e triângulos.
Qual é a bandeira mais legal, na sua opinião?
A do Nepal. Ao contrário de praticamente todas as outras, que seguem proporções retangulares, é a única formada por dois triângulos. De acordo com estudiosos, eles representam o Himalaia – uma referência belíssima, na minha opinião. Outra curiosidade: na Constituição do Nepal, há uma seção específica sobre emblemas nacionais e bandeiras, definindo ângulos, proporções e padrões de cor exatos, a fim de manter a consistência da imagem e evitar representações erradas.
Há alguma bandeira que reflita este momento de pandemia?
A capa da New York Times Magazine, em agosto do ano passado, trazia um mastro com uma calça de moletom em forma de bandeira. O artigo era sobre como a moda estava prestes a se reinventar com a pandemia. A ideia da bandeira de calça de moletom me fez sorrir em meio a tanta tristeza. E não deu outra: era o que eu estava vestindo quando li a matéria!