Sérgio Abritta confessa ter ficado impressionado ao constatar que tem 32 textos encenados, entre eles adaptações de “A bonequinha preta”, de Alaíde Lisboa de Oliveira; “Uma professora muito maluquinha”, de Ziraldo; “A maior flor do mundo”, de José Saramago; “Soltando os bichos”, de Paulinho Pedra Azul; “História sem pé nem cabeça”, de Conceição Parreiras Abritta; e “Fantasmas monstros e assombrações”, dele mesmo.
Mas, só agora, no ano em que comemora 30 anos de carreira, lança o livro “Meninonina & outras peças”, projeto que ganhou corpo por incentivo de Fabíola Farias e foi escrito para a mostra “Janela de dramaturgia”. Já está na publicação “Por quê? Teatro para infâncias e juventudes”, da coleção Teatro Contemporâneo, da Editora Javali.
Das adaptações que fez, “História sem pé nem cabeça” tem valor especial para o dramaturgo por ter sido escrito por sua mãe, Conceição Parreiras Abritta. "Foi certamente o texto que escrevi com maior carinho, não só pela qualidade do original, mas também porque minha mãe ficou fascinada com a montagem. Ah, e foi um sucesso!"
O gosto pela literatura veio do pai, Luiz Carlos Abritta. "Ele é um autor de talento raro, mas como escreve especialmente poesia – é um leitor apaixonado por Fernando Pessoa – e prosa, nunca nos encontramos para escrever algo juntos. Mas é uma ótima ideia."
A pandemia pegou Sérgio no primeiro dia do ensaio de “Um dia muito especial”, de Ettore Scola. A produção de Alexandre Toledo contava com ele e uma atriz italiana que morava em BH, Anita Mosca, no papel que foi de Sophia Loren no cinema. A Anita, então, voltou para a Itália e tivemos que adiar o projeto. "Mas, logo depois, o Toledo ganhou o Prêmio Palco em Cena, do Brasil Vallourec, com um texto meu, ‘Wilde.RE/Construído’. Fizemos os ensaios por muitos meses de forma virtual, o que se mostrou bastante difícil. No final, tivemos que nos contentar com uma estreia também em live, que me surpreendeu positivamente."
Otimista, Abritta reforça: o teatro sempre se salva!. "No passado, quando teatros foram fechados por causa das epidemias, as companhias encontraram formas de sobrevivência, levando os espetáculos aos burgos mais distantes. Agora, a ferramenta é o teatro virtual, que, mesmo não trazendo o encontro físico do ator com a plateia, é teatro", afirma ele, que ensaia virtualmente “O deus da carnificina”, de Yasmina Reza. "Esperamos estrear tão logo a pandemia passe..
O livro reúne três peças de teatro. Essa escolha pelo roteiro mostra seu interesse em oferecer textos para o teatro infantil, que não tem tantos autores contemporâneos?
A publicação de textos de teatro é extremamente escassa no nosso país. E, quando se fala de teatro para crianças, isso fica mais evidente. Publica-se pouco porque os editores acreditam que não há leitores para obras dramáticas, alimentando-se um círculo vicioso, pois, se não há publicações, não haverá, consequentemente, quem possa lê-las. Quero, sim, contribuir, ainda que modestamente, para a reversão desse quadro.
Você tem dramas e dilemas na hora de escrever textos para teatro adulto e infantil?
Claro. É muito difícil responder às perguntas ‘para quem escrever?’ e, especialmente, ‘por que escrever?’. Acho que a resposta está em procurar temas que digam de quem somos e de como vivemos hoje, crianças e adultos, com dilemas que têm de ser enfrentados na contemporaneidade e que não podem e não devem ser deixados de lado. Fico impressionado como a literatura para crianças consegue enfrentar todos os assuntos sem qualquer restrição, claro, com o cuidado e a delicadeza que a escrita deve ter. O teatro para crianças, ao contrário, só agora começa a despertar para a necessidade de tocar em assuntos urgentes, que por muito tempo foram negligenciados. Quanto ao meu processo criativo, é bastante difuso. Não tenho muita disciplina, mas estou constantemente escrevendo.
Ainda jovem, você já escrevia, mas não tinha segurança na qualidade do texto até que venceu o concurso Cidade de Belo Horizonte e “Até que a morte nos separe” foi montado no TU. A partir daí, você ganhou coragem. Para a geração atual, existem incentivos aos que não acreditam na força do texto que escreve?
O prêmio Cidade de Belo Horizonte foi mesmo um divisor de águas, porque me deu uma espécie de chancela, especialmente porque o TU, à época dirigido pelo Octávio Cardoso, resolveu montar meu texto. Hoje há outros canais, como o já citado Janela de Dramaturgia, que mostra para o público da cidade novos textos. Tem também o caminho da escrita dentro e para os coletivos artísticos. Mas acho que é necessário que o poder público crie laboratórios criativos, que ajudem quem está começando a escrever a queimar etapas. É que não basta só talento: é preciso também que o iniciante tenha contato com um arcabouço teórico que lhe dê a oportunidade de pensar sua obra.
Nos anos 1980, o impasse econômico – além da admiração pelo direito – levou você à universidade, onde se formou e hoje é procurador do estado. Qual a relação entre direito e dramaturgia? Você consegue enxergar, no seu caso, ponto de interseção entre os ofícios?
A palavrinha mágica para a dramaturgia é conflito. E o direito é o lugar do conflito. A interseção se encontra aí, nesse ponto crucial. Porque, na verdade, dramaturgia e direito se abastecem de vida em movimento e drama, etimologicamente, significa ação.
Como você avalia os últimos 30 anos de atividade teatral em Belo Horizonte?
O que mais mudou foi uma possibilidade maior de acesso ao teatro, tanto do lado de quem faz quanto de quem frequenta. As produções eram restritas a meia dúzia de pessoas e, com as leis de incentivo, isso se modificou. Mas o mais importante foi que houve, com o surgimento do FIT, uma ampliação dos horizontes de quem faz a cena. Essa troca de experiências com o teatro que vem de fora transformou radicalmente a cena belo-horizontina.
Quais as melhores lembranças marcantes na temporada de suas peças?
Uma vez, uma pessoa do público nos pediu autorização para fazer um pedido de casamento no palco ao final do espetáculo “Aniversário de casamento”. A produção permitiu e o pedido foi feito, sob os aplausos da plateia. Em outra peça, como o público não parava de rir, uma atriz disse para a plateia: 'Agora, chega, porque a gente tem que continuar o espetáculo'. E ainda houve uma vez em que o Paulo Rezende me chamou para ir com ele a Santos Dumont, apresentar um monólogo. Mas, horas antes de o espetáculo começar, ele percebeu que tinha deixado aqui, em BH, seu figurino e a trilha sonora. Ele mandou um táxi para buscar as coisas, mas com isso o início da peça atrasou duas horas. Quando ele entrou em cena, havia poucos resistentes na plateia...