Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA DE SEGUNDA

"Mãe na pandemia", que viralizou com Júlia Tizumba, ganha nova roupagem

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Provavelmente, você já ouviu a marchinha "Mãe na pandemia", que viralizou em vídeo da cantora e atriz Júlia Tizumba. Quinta-feira (6/5) a canção será apresentada com nova roupagem."Transformamos a marchinha em um afro-pop que mistura funk com pitadas de macumba. Essa versão vai ser pra rir, chorar, refletir e rebolar. Tudo ao mesmo tempo ", conta. O trabalho tem a produção musical de Neila Kadhi, que se tornou amiga de Júlia a partir do musical “Elza”, e traz uma cara mais moderna para a música com sua programação eletrônica e guitarras. Júlia entra com voz e percussões. A composição é de Luísa Toller, que conheceu a artista mineira pela internet depois que o vídeo viralizou.



Em um trecho da marchinha, Júlia canta que quer fechar os olhos e sonhar com o carnaval. Mas de olhos abertos, ela confessa que ainda não consegue. A cantora até tentou. Começou o ano acreditando que no segundo semestre já estariam todos vacinados. "Sonhei alto demais. Agora estou com o pé no chão, vivendo um dia de cada vez. Queria que no carnaval de 2022 pudéssemos estar todos com o bloco na rua, entoando a marchinha da 'Mãe na pandemia'. Mas, pelo andar da carruagem, esse sonho só vai se concretizar em 2023... e olhe lá... O cenário não está bonito não."

A artista acredita que arte tem o poder de cura. "Dizem que quando a gente canta, a gente reza duas vezes. Mesmo antes da pandemia, a arte sempre me salvou, sempre elevou a vibração e trouxe positividade para resistir e seguir lutando. A arte é necessária. A arte nos fortalece", sentencia.

Sobre o governo federal, Júlia o considera lastimável, mas diz não se surpreender. Para ela, a maior tristeza foi a eleição de uma candidatura que não contemplava a diversidade, não priorizava os menos favorecidos e apresentava um discurso conservador e afeito ao militarismo. "Tudo para dar errado. Um perigo. Mas uma maioria fez essa escolha. Isso é o que mais me preocupa. O perigo, na verdade, mora ao lado. A impunidade dos grandes é revoltante, mas a ignorância e ou perversidade de quem vota é mortal. Agora estamos pagando o preço. Vou seguir com a minha política de tentar contribuir para a melhoria do meu entorno, com pequenos grãos de areia. O single `'Mãe na pandemia' é uma dessas tentativas."



Ainda este mês, Júlia vai lançar o livro "Maurício Tizumba – Caras e caretas de um teatro negro performativo” (editora Javali), que nasceu da dissertação de mestrado. "Seguimos resistindo e construindo."

Como você se sentiu quando viu que estava grávida neste momento tão maluco que estamos vivendo?
Nós planejamos a Serena antes da pandemia. A tentativa consciente foi em 6 de Janeiro, dia de Reis. E foi um chute, um gol: ela veio. A pandemia chegou em um momento em que eu já estava, coincidentemente, planejando pousar mais em casa, após dois anos de muitas viagens. Isso amenizou um pouco a situação. Mas estar grávida com um vírus desse no ar é muito angustiante, só mesmo a fé para segurar a gente, afastar o medo e manter a esperança acesa.

E você já tinha outra filha, a Iara, de 5 anos. Como é conciliar as obrigações da maternidade com duas crianças e as atividades de dona de casa?
A Iara tem 5 anos, e Serena está com 6 meses. Conciliar a maternidade com minhas atividades profissionais, artísticas, acadêmicas e de dona de casa é surreal! É a metodologia do caos... é desapegar de ter uma casa organizada, silenciosa e sempre limpa. É desapegar de ter momentos ideais para realizar qualquer atividade: nunca são condições ideais, tem que ser tudo na raça mesmo. É desapegar dos resultados também: não vai ter mãe perfeita, nem profissional perfeita. Só vai ter mulher possível e humana mesmo. Eu também tenho a felicidade de dividir a vida com um companheiro muito presente, ativo e que concorda que não tem espaço para machismo na nossa casa. Isso faz com que enfrentar os desafios emocionais e físicos da maternidade seja mais ameno. Para as mulheres que criam seus filhos sozinhas (e não são poucas), a situação consegue ser pior ainda.



Como você compara a gravidez das meninas. A que nasceu agora foi mais fácil pela experiência adquirida ou a preocupação por causa da pandemia gerou estresse?
Em alguns sentidos, a segunda maternidade é mais fácil, porque não sou mais mãe de primeira viagem. Mas cada gestação é única. Temia que algo acontecesse comigo, pois agora já tenho a Iara e quero estar bem para ela também. Temia adoecer e passar a doença para a bebê. Temia nossa sustentabilidade financeira, com o setor artístico em crise total... Todas essas preocupações geraram mais estresse que a primeira gestação em que não senti absolutamente nada, além de felicidade e azia. Mas, graças às deusas, Serena faz honra ao nome e nos presenteou com um parto tranquilo.

A marchinha reflete o que muitas mães enfrentam. Como driblou essas questões apresentadas de forma bem-humorada na canção?
Eu me identifiquei com as palavras da compositora Luísa Toller e com o bom humor, irreverência e leveza da música-protesto, características que costumo expressar para atravessar as adversidades. Então, entre uma mamada e outra, resolvi brincar de cantar minha saudade da boemia, minha vontade de cagar sozinha e dormir a noite inteira. Às vezes só nos resta rir pra não chorar, e manter a saúde mental se torna um ato revolucionário. É como diz aquela música: "não que a vida esteja assim tão boa, mas um sorriso ajuda a melhorar" (“Rindo à toa”, Falamansa). De todo modo, a música não deixa de ser um grito de socorro que chama para reflexão e ação.

Existem mães que têm uma dezena de outros problemas além da educação dos filhos. Mais de um ano de pandemia e até hoje não foi criada estrutura para atender as mulheres e famílias de forma digna...


Vivemos em uma sociedade que, infelizmente, tem seus valores sedimentados no machismo e no racismo. Quem detém o poder fecha os olhos para as desigualdades de gênero e raça e assim é feita a manutenção dessa situação desequilibrada. É confortável para os homens, brancos e héteros, do topo de nossa pirâmide social, manterem o trabalho das mulheres (como mães e donas de casa) invisibilizado, não remunerado e naturalizado. Só não é confortável pra nós que vivemos sobrecarregadas, excluídas e com a saúde mental comprometida. E muito menos confortável para aquelas que estão abaixo da linha da pobreza, completamente desassistidas. É urgente que o Estado lance um olhar apurado para nossas questões, crie mecanismos de assistência e melhores condições para as mães, porque se a gente se rebelar e parar de "cuidar", o sistema vai quebrar.

A marchinha teve mais de 160 mil visualizações no YouTube. O sucesso surpreendeu?
Quando eu gravei o videozinho cantando a marchinha “Mãe na pandemia”, nunca imaginei que teria tantas visualizações, curtidas e compartilhamentos. Me surpreendeu porque gravei brincando, de forma despretensiosa. Mas o grito de muitas mamães do Brasil ecoou! Luísa Toller soube compor, com genialidade, essa marchinha que tocou na alma e deu voz aos sentimentos de tantas! De todo modo, fico muito feliz por ser uma das porta-vozes dessa mensagem e desejo que tantos compartilhamentos se convertam em reflexões e ações reais para maior valorização, respeito e estrutura para as mamães. Nós parimos a humanidade. O mínimo que merecemos é viver com dignidade.