Jornal Estado de Minas

COLUNA HIT

Márcio Ares, tenente-coronel da reserva, estreia como poeta

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis

“O poema não se limita a rimas, ritmos e métricas”

Márcio Ares diz que a poesia merece a nossa atenção. “O poema tem essa coisa de mexer com a gente. A metáfora, enquanto figura de linguagem por excelência da poesia, cumpre a missão de desdobrar o sentido, aguçar a atenção, mostrar mais que o óbvio. A metáfora educa os sentidos. Leva de um lugar para outro. A percepção das figuras de palavra, de construção e de pensamento eleva a capacidade de todos os entendimentos possíveis”, observa ele.

Márcio lança o primeiro livro, “Ainda se fala de amor” (Editora Ramalhete), depois do empurrão do editor Álvaro Gentil. O poeta garante que eles não são totalmente biográficos.


“O autor aparece na voz de alguns dos narradores, em alguns momentos, em algum verso. Ora ou outra, eu me enxergo ali. Mas as vozes nesses poemas são muito donas de si mesmas.” Satisfeito com o livro, elogia os parceiros do projeto. “A arte gráfica da Andrezza Libel veio muito a calhar com o tema. O Carlos Nunes se dispôs a fazer a apresentação da obra. Ficou bonito o livro”, comemora.


Neste mundo cada vez mais conturbado, onde as pessoas parecem não se entender, ainda se fala de amor. Por quê?

Porque é necessário, eu acho. Olhar o mundo, o outro e a nós mesmos com amor é um jeito bom de existir. Cada qual o enxerga ao seu modo, claro. Um dia, ele é bom; outro dia, machuca. Ora nos salva, ora nos condena. No entanto, é ele que nos liberta da violência inata que trazemos conosco. É falar, muitas vezes, sobre aquilo que nos falta, essa orfandade de afeto que é nossa. Preço pequeno que a vida nos cobra pela dádiva de viver. Podemos pagar por meio desse sentimento. No livro, ele está entremeado com os mais diversos temas. É bom falar de amor.

O livro de estreia sai às vésperas de seus 50 anos. Por que a demora?

Ah, material para outros livros já existe. Seja prosa ou poesia. Venho escrevendo umas coisas há bastante tempo. Para autor desconhecido como eu, é um bocado mais difícil. Bons autores e boas obras, no entanto, estão por aí sempre ou vêm sendo construídas ao longo de uma vida, como foi o meu caso. Fica a esperança de que essa demora tenha possibilitado uma escolha acertada e mais amadurecida dos poemas. O leitor merece o melhor da gente.


Você prepara, em parceria com o ator Carlos Nunes, a peça “O alemão que tá me pegando”. Você é autor de “Francisco de Assis – Do rio ao riso”, encenada por ele. Como é escrever para teatro?

O Carlos é um amigo e parceiro de longa data. Essa parceria da gente é muito simpática. O texto vai fluindo naturalmente. Fraternidade faz isso acontecer. Ele é também um ótimo profissional. Fez uma apresentação linda para o livro. Escrever para o teatro exige atenção à carpintaria cênica. O que pode e o que não pode. E não estou dizendo só do politicamente correto. O texto do espetáculo, por exemplo, que não é religioso, não ofende a aura de santo de Francisco, mas faz rir, foi um grande desafio. Já a poesia me deixa muito confortável com a sua liberdade. Ainda que, vez ou outra, alguns narradores deem um pouco de trabalho para o autor. A voz que diz o texto fica desafiando o escritor. Em alguns casos, um determinado estilo poético talvez exija mais trabalho quanto à métrica ou à forma. Quanto à inspiração, creio que a vida e seu cotidiano, bem como as minhas inquietações diante da vida, são o combustível dos meus escritos. Difícil ficar olhando pedra e só ver pedra mesmo, como disse Adélia Prado. É igualmente triste não ter um olhar para além do que é imediato. Por mais que nós queiramos, às vezes, determinar a exatidão das coisas, existir é muito fluido. Existir também é polissêmico. E diversos olhares são possíveis sobre a mesmíssima coisa.

No início dos anos 2000, a atriz Luciene Lemos montou “Marrom de mais amar” com textos avulsos escritos por você. De onde surgiu a vontade de escrever?

Começo a escrever por volta dos meus 15 anos. Alma de menino vindo do interior, sozinho, com saudade, mas com uma vontade enorme de conhecer e dizer o mundo. Escrever era uma forma de dar conta. Era sobreviver. Era também dizer das alegrias daquilo tudo, das possibilidades, do sonho, dos quereres. Traduzir o sentimento num jeito de olhar. Depois, isso vira quase uma obsessão. Na minha poesia, penso bem que o lirismo vive em guerra com o dramático. Na prosa, gosto muito do conto. É ágil e necessariamente curto sem deixar de ser completo. Muito me encanta a poesia com que se escreve um texto que seja prosa. É bom quando, como disse Foucault, “o leitor não lê o que a gente escreve. O leitor lê o silêncio que a gente deixa entre as palavras.” Quanto ao espetáculo, ficou muito bonito. Um triângulo amoroso à la Cyrano de Bergerac, cujos versos eram meus. A Luciene vivia um alter ego da florista por ambos amada, interpretando canções conhecidas na voz da Alcione. Daí, o título.

Você é tenente-coronel da reserva. A literatura tem importância na formação e vida do militar?

São muitos e importantes os códigos, normas, manuais e regulamentos a serem entendidos, respeitados e cumpridos. A palavra e o texto são ferramentas de extrema importância onde quer que seja. No meio militar não é diferente. O interesse por outras literaturas é de cada um, claro. A leitura enriquece a capacidade de esse melhor leitor ser um melhor profissional. Aquele cujo pai serve um prato de comida e diz, com amor, “come que eu te quero vivo”, terá menos chance de ser violento daquele que ouviu o pai dizer “come, desgraça! Não mandei você nascer”. A literatura possibilita aprimorar essa percepção da violência e do sujeito violento. É também uma válvula de escape do estresse característico da profissão. Há concursos de poesia, inclusive, na Polícia Militar. Essa mesma onde Guimarães Rosa foi capitão-médico. Nos inúmeros textos que produzi, para as mais diversas ocasiões militares, aproveitei cada oportunidade para incluir o afeto. E sempre exigi respeito nas relações interpessoais, fosse com o superior ou com o subordinado hierárquico. O trato com as pessoas exige humanidade. E, como diz minha mãe, respeito e educação cabem em qualquer lugar. Meu pai, também homem da roça que sempre foi, nos ensinou que nem peão a gente trata sem o devido respeito.