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Tatyana Rubim conta como aprendeu a pensar 'fora da caixinha' na pandemia

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Tatyana Rubim não esconde o desespero que sentiu no início da pandemia. Não só por ser portadora de comorbidades, mas pela preocupação com os pais e as filhas. “Parei por 10 dias e pensei: como vou sobreviver, meu Deus?. Me preocupei muito com meus funcionários, mas juntos construímos algo novo. E os mantive por todo 2020. Realizamos a transformação digital que o 'Teatro em movimento' merecia”, diz a produtora cultural.


 
O projeto “Teatro em movimento digital” foi indicado ao prêmio da APTR, na categoria especial, e a websérie “Farol de neblina” concorreu a melhor espetáculo adaptado editado. Cereja do bolo, o curta “Ato”, com direção de Barbara Paz, foi exibido no 78º Festival de Cinema de Veneza, que termina no sábado.
 
Apesar do sucesso de seus projetos, Tatyana não acredita que o digital seja o futuro. “Ele é o presente e estará no futuro, assim como o presencial, quando não houver pandemias ou guerras de toda ordem. Que entendam a minha metáfora. O Brasil vive o caos. O mundo também. A cada momento, a delícia de cada formato poderá ser apreciada pelo público, sem medo ou preconceito. Assim espero”, afirma.
 
Há 20 anos, quando você criou o projeto “Teatro em movimento”, qual era o seu pensamento sobre o futuro do teatro em 2021?
Não tinha um pensamento para o teatro em 2021, especificamente. Acredito no aprofundamento de pesquisa, nas inovações da linguagem cênica, nas experimentações de um modo geral e na interação dessa arte com tantas outras, como dança, audiovisual, literatura, música e o que mais o ser humano inventar. Essa interação entre linguagens, para mim, aconteceria naturalmente. O teatro é uma das mais belas formas da expressão humana. Desde criança, somos acostumados e gostamos de ouvir histórias. Nesse momento, também compartilhamos muitos sentimentos com nosso universo familiar de um modo interessante e delicioso. Isso fica em nosso imaginário para sempre. De certa forma, acho até que impregnado na alma. O teatro é a contação elaborada de muitas estórias, tendo a atriz ou o ator como veículo pra chegar ao coração do público. Esse encontro é lindo e diferente todos os dias. O local por onde o teatro percorreria seu caminho poderia ser a partir da rua, do palco ou do computador. Assistir a uma peça ao vivo, do smartphone, não me pareceu nunca ser algo do campo do improvável. Pelo contrário.


 
O que você aprendeu com a pandemia? Só agora as produções voltam aos palcos 
Aprendi muito. Desde novos modus operandi, incluindo o desenvolvimento de protocolos, até interações diferenciadas com o público, evocando novas experiências. No meu caso, o teatro sendo mediado pelo digital, por meio do curta-metragem, do game ou da experiência ao vivo mesclada a cenas pré-gravadas saindo ao mesmo tempo no streaming. Aprendi muito sobre possibilidades tecnológicas. Enfim, foi uma reviravolta total na vida da Rubim Produções, minha empresa, e seus projetos. Aprendi a pensar fora da caixinha, sem preconceito com relação a inovar, informar e formar. Daí o trabalho de o “Teatro em movimento”, antes presencial, ter se estruturado em três eixos.

Quais foram eles?
A formação para teatro digital, com um dos primeiros cursos de teatro digital do país, tudo remotamente. Depois, amparando artistas mineiros em isolamento social, pelo interior e capital do estado, com equipes profissionais com vasta experiência e reco- nhecimento. E, paralelamente, investigando, de modo mais vertical, a linguagem do teatro digital e suas mediações e interações, como foi o caso do “Ato”, cineteatro dirigido por Bárbara Paz, mediado pelo curta-metragem. Escolhemos como cenário a cidade de Ouro Preto. Ainda não sabíamos nada sobre protocolos e criamos os nossos protocolos. Foi a primeira vez que nos arriscamos. Outra experiência inovadora foi a montagem “Ítaca”, com atuação e direção de Cacá Carvalho. Soltávamos a peça de modo pré-gravado e ao vivo, o que deixava o público curioso sobre a temporalidade da cena. As pessoas se perguntavam: “Essa cena estava gravada ou ele está fazendo agora?”. Era muito engraçado. Cacá confundiu até o autor, Vinicius Calderoni, por alguns instantes. O outro desafio foi lançado com Yara de Novaes, que optou por ter equipe criativa de game com linguagem totalmente desconhecida para nós. Afinar esses dois mundos não foi fácil. Havia muito receio da parte dela, que se lançou corajosamente nesse desafio – o desconhecido. Foi novidade para o teatro e para o game. Assim surgiu sua peça-game “(D)esmemória”.


Nesses 20 anos, quais são as lembranças mais marcantes?
Os inesquecíveis e divertidos encontros com Paulo Autran. Ele me contava sobre o teatro de Cacilda (Becker), dele e de Tônia Carrero. E sobre o mecenas e amigo Ciccilo Matarazzo. Foi com Paulo que fizemos o primeiro espetáculo de Ipatinga. O público, pouco acostumado, não comparecia. Ele falava: “Vamos panfletar no shopping?”. Não acreditei que a lenda Paulo Autran se disporia a fazer isso. Mas fez! Dizia para nos dirigirmos a algum lugar mais cheio. A marca era ele aparecer de repente e eu dizer: “É você, Paulo Autran?”. A conclusão dele era: “Assim, querida, as pessoas vão me reconhecer e contar que por aqui me encontraram. Dá bochicho, pode acreditar”. Ainda sobre os Paulos, eu disse não para Paulo Gustavo certa vez, quando ele queria vir duas vezes para BH, no início da carreira. Respondi: “Não lotamos nem o Alterosa, um pequeno teatro na cidade”. Passado o tempo, Paulo Gustavo vira o maior fenômeno de público! Eu o agradeço por ter me dado a oportunidade de fazer a maioria das temporadas dele por aqui.

Além da pandemia, a cultura enfrenta crise gerada pela política do governo federal. Como o setor vai se recuperar?
Com a força e fé na arte. Porque ela é maior. É do bem e faz bem. O reconhecimento do público e a necessidade que o ser humano tem de ser próximo da música, da literatura, da dança, do cinema, do teatro. A arte foi a mão solidária para cidadãos em isolamento, em suas casas. Não há como esse setor de tamanha importância não ser resiliente.