Entrevista de segunda
Daniela Fernandes
Diretora do Curta Circuito
Desde sempre, esta coluna disputa a posição de fã número 1 do projeto Curta Circuito. A ideia de reunir diretores e atores que marcaram a história do cinema nacional em encontros com o público é uma forma de manter vivos momentos de grande importância do audiovisual. Além disso, para os fãs, rever ou, em muitos casos, ver o ídolo pela primeira vez, cara a cara, é emocionante.
O projeto faz tanto sucesso que chega aos 21 anos firme e forte, apesar da pandemia, que, pela segunda vez, leva a proposta para o virtual. De 11 a 17 de outubro próximo, serão exibidos no site www.curtacircuito.com.br sete filmes que contam a história de músicas e de músicos.
“Bete Balanço”, de Lael Rodrigues (1984) abre a mostra. Na sequência, “Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa”, de Roberto Farias (1970), “Ritmo alucinante”, de Marcelo França (1975), “Corações a mil”, de Jom Tob Azulay (1983), “Para viver um grande amor”, de Miguel Faria Jr (1984), “Um trem para as estrelas”, de Carlos Diegues (1987), e “Stelinha”, de Miguel Faria Jr. (1990). Os bate-papos continuam, mas desta vez no formato webinar.
Que balanço você faz da mostra, que chega à sua 21ª edição?
O balanço que faço da mostra nessas 21 edições é de resistência e de evolução constante. Colaboro há 17 anos com o Curta Circuito. De lá pra cá, temos crescido muito, aprendido muito. Todo ano aprendemos uma coisa nova, evoluímos, a cada evento crescemos mais um pouquinho. Estou muito feliz que o Curta Circuito se transformou: é uma evolução constante, novos encontros e novas possibilidades.
A pandemia influenciou – por bem e por mal – todos nós. Como ela afetou a mostra e qual a lição vocês iraram da pandemia (até aqui)?
A pandemia conseguiu virar a gente do avesso. Estávamos prestes a começar a temporada de 2020, na comemoração dos 20 anos, e estava tudo pronto: passagens compradas, convidados, tudo... E a gente teve que suspender e pausar tudo. Tivemos que repensar como fazer o Curta Circuito on-line, já que ele vem muito do encontro, desse poder da reunião de pessoas, dessa magia.
Então, foi uma grande luta e aprendizado nosso. Tem coisas muito boas, pois conseguimos nos aproximar mais das redes sociais e alcançar um público que não tínhamos alcançado antes. As pessoas, amigos de fora de BH falavam: "Ah! Podia fazer Curta Circuito aqui!". A vantagem, agora, é que estamos acessíveis para o Brasil inteiro. Isso foi muito prazeroso, ampliar esse público e ampliar nosso recorte.
Como vê o futuro do audiovisual? Não bastasse a desaceleração das produções, o governo federal prejudica ainda mais o setor em sua campanha de destruição da cultura.
O futuro do audiovisual é tão incerto... Todo dia é “tiro, porrada e bomba”. Todo dia é dia de luta, de resistência e sobrevivência. A gente vai conquistando um dia após o outro, mas não vejo uma perspectiva muito boa, estamos sendo muito bombardeados. Foram anos de lutas e de conquistas para o audiovisual e, infelizmente, um governo consegue fazer esse ritmo parar e tudo retroceder.
Um dos clássicos da disco music tem uma frase que adoro: “Last night a DJ saved my life”. Você acredita que a música tem o poder de nos salvar desse inferno que estamos vivendo?
A música tem esse poder de salvar a gente. A música e o cinema. Isso virou a válvula de escape. Quem nunca esteve mal e pegou uma música para tentar se alegrar ou se lembrar de coisas boas, momentos bons? O Curta Circuito deste ano é tão lindo, tantas histórias de músicas e de músicos que fazem a gente mergulhar nesse universo. É uma ótima forma de fugir da realidade, de pausar e respirar, não pensar nas coisas que estão acontecendo lá fora. O mundo está pesado e acredito muito no poder do cinema e da música: os dois juntos são uma coisa sensacional.
A proposta desta edição é mostrar que a música no cinema é muito mais do que trilha sonora?
Fizemos uma parceria muito legal este ano que está rendendo bons bate-papos. Convidamos os nossos amigos do Musimagem – Associação de Compositores do Audiovisual Brasileiro, responsáveis pelo Festival Musimagem, para fazer os debates com os nossos críticos.
É uma oportunidade única de entender novas histórias, muito mais do que trilha sonora: a revolução, a resistência, o contexto histórico em que essas músicas estavam. São duas visões de cada filme completamente diferentes que se misturam e se agregam. Foi uma surpresa linda fazer essa conexão entre os compositores e os nossos críticos.
Quando você pensa em música e cinema, quais são as suas maiores emoções e por quê?
Quando penso em música e cinema, sempre me vêm à mente as sessões mais emblemáticas do Curta Circuito, porque as sessões que estão no nosso coração sempre tinham a música.
A sessão linda de “Loki”, em que o público começou a cantar a “Balada do louco” no meio de cinema, vimos o público cantar junto com o filme, aquilo foi de arrepiar, foi um dos momentos mais bonitos.
Outro momento também muito legal foi quando trouxemos o “Admirável mundo novo baiano”, que contava a história dos Novos Baianos. Tivemos a grata presença do Pepeu Gomes e me lembro de que era a primeira exibição que ele veria do filme. Logo em seguida da sessão, ele fez um pocket show com as músicas, contando as história, e foi incrível! Todo mundo estava ali para escutar o Pepeu e cantar Novos Baianos. Foi uma sessão de arrepiar!
E todo mundo vai lembrar de Sidney Magal, né? Ele tem esse poder de mexer com a plateia, da música te levar para um lugar bom. A música dele continua sendo atemporal, o que mais se canta em festas são as músicas de Sidney Magal. Rever um filme que foi feito há 40 anos, com a presença dele, foi muito emocionante: para ele e para a gente também. As lágrimas que rolaram dele foram emocionantes. A música e o cinema provocam isso. Nunca vou me esquecer dessas cenas do Curta Circuito, desses encontros.
Pensamos muito em como transformar esses encontros no momento virtual, temos trabalhado muito, inclusive na nossa comunicação, em como confortar o público neste momento tão difícil e demonstrar acessibilidade ao Curta Circuito para as pessoas. Este ano é uma edição cheia de carga de resistência, de força, de luta, mas ela é leve. É um Curta Circuito leve.
Muita coisa já está voltando (lentamente) dentro de protocolos rigorosos. Por que não deu para a mostra retornar ao presencial? E qual a sua expectativa de retorno?
Toda a equipe acredita que só poderemos retornar ao presencial quando todos estiverem vacinados. Parte da equipe ainda não tomou a segunda dose e tem aqueles que vão tomar a terceira dose. Então, temos muito cuidado. Trabalhamos com vários filmes antigos, o que faz também com que nossos convidados já tenham uma certa idade.
Temos uma carga muito cuidadosa de precaução com eles e com nosso público, que também tem pessoas da terceira idade. Temos que ter cuidado e não fazia sentido para nós fazer uma sessão para 20 pessoas na plateia. Então, optou-se por esta edição ser totalmente virtual. No ano que vem, se tudo der certo, voltaremos ao presencial, também com algumas coisas híbridas, pois a experiência on-line foi muito enriquecedora.
Qual a importância de Andrea e Carlos Ormond no projeto?
Quando assumi o Curta Circuito, não conseguia pensar em outra pessoa que não a Andrea Ormond. Sou muito fã dela e de seu blog, o Estranho Encontro. Quando pesquisava sobre filmografia brasileira, sempre buscava por ela como referência e tê-la, juntamente ao Carlos, como curadores é um sonho. Eles são incríveis, na pesquisa, no conhecimento de uma filmografia que não é tão conhecida pelas pessoas. O trabalho deles de pesquisa de cinema brasileiro é fundamental. Temos muita sorte com nossa equipe, o Curta Circuito é mais que uma mostra, é uma família. São 21 anos de luta, de muito trabalho e muita dedicação ao cinema brasileiro. Só tenho a agradecer a toda a equipe.