Bruno Carneiro
Empresário
Foi no dia 17 de agosto de 2000 que a minha vida mudou. Acredito que dali em diante mudamos também a vida de muita gente. Era uma quinta-feira de muita ansiedade, poucas certezas, um suor danado para tentar surpreender aqueles que já sabiam sobre a casa noturna que seria aberta no Ponteio Lar Shopping, mas, por estratégia nossa, tinha mais segredos do que respostas.
Apesar de poucos se lembrarem disso, aquela não era nossa primeira casa noturna. Em agosto de 1997, inauguramos o Clube MTV. O inferninho serviu de laboratório para muito do que implantamos na naSala. Esses três anos de prototipagem e estudo nos deram a oportunidade única de viver uma cena repleta de estrelas do entretenimento nacional.
Lembro-me da expectativa sobre cada casa que Anésia inventava no Barro Preto. Bar Nacional, Sob o Céu de Calcutá, Scape, Bababum e, claro, o Drosófila moldaram muito do que nossa cidade até hoje respira em termos de balada. Foi um tempo legal. O galpão podia se transformar em cenário incrível da Índia, e, seis meses depois, mudar completamente sua decoração e tema para estação de trem, surpreendendo todo mundo, apesar do mesmo endereço.
Tempos de Léo Ziller, a enciclopédia da noite belo-horizontina. Com tantas casas no currículo e festas no calendário internacional, Ziller sempre foi o embaixador que procura incansavelmente colocar BH no mapa dos grandes artistas.
Todo mundo da minha geração tem uma história pra contar na Ciao Ciao, no Club:e, Ufo e no Hangar 667… Mas gosto mesmo é de relembrar as tardes únicas do Bwana, nas cercanias de uma avenida, então distante, chamada “Seis Pistas”. Difícil repetir aquela experiência, o primeiro contato de muita gente com a música eletrônica.
Tantas outras casas assinaram tantas mudanças importantes que eu me sentia obrigado a mais um pouco de esforço, diariamente, para merecer um lugar neste mercado. A W, do Daniel Zago, trouxe a primeira casa-franquia nacional para BH. Me lembro tanto disso quanto do dia em que a primeira loja do Mc Donald’s foi inaugurada no BH Shopping. O Café Cancún veio depois, com procedimentos e treinamentos de grande rede, ensinando que antes de sermos casa noturna, também éramos parte de uma empresa.
E, claro, veio a L'Apogée. Essa casa de todas as casas inaugurou em BH o conceito de clube de sócios. Roberto Jácome, ou carinhosamente Jajá, não só foi visionário e corajoso, como sempre, mas generoso com todos nós quando o procurávamos para conselhos sobre o que fazer para continuar existindo.
Quase ninguém sabe, mas o programa de sócios da naSala não só foi inspirado no da L'Apogée, como recebemos do Jajá todos os documentos e regulamentos para nos ajudar a formar o nosso.
Também foi nessa época que promoters de eventos construíram em BH o calendário de festas que fez Confins passar a ser aeroporto para muita gente nascida fora de Minas. Eu, novato e com 18 anos, me sentia um jogador iniciante com a oportunidade de jogar com os ídolos de criança. Os nomes vinham como assinatura de qualidade para cada evento, formando times que ninguém com mais ou menos a minha idade esquece: Mariângela Lima, Tatiana Gontijo, Rodrigo Pros e Rochinha, Ziller e Dídio, Du Quintino e Leo Stallone, Flavão Moraes, Léo Sorriso e Ricardo Natal, Henrique Chaves, Igor e tantos outros que, com certeza, serão vítimas da minha memória injusta aqui…
Se as casas noturnas eram o veículo, os promoters eram o combustível. Não é questão de ser melhor que hoje, mas era tudo mais pessoal. Talvez por causa da ausência de tecnologia. Com certeza, menos conveniente, mas, de fato, mais customizado.
Foi nesta cena que entendemos o que naSala precisava ser a partir daquela quinta-feira… Com essa responsabilidade, eu me preparava para abrir a casa pela primeira vez, depois de quase um ano de obras e segredos. Poucos dias antes, li nota numa coluna social nos chamando de filhinhos de papai que gastaram uma fortuna na casa noturna que, como todas as demais, fecharia as portas em poucos meses. Não podia nem culpar o autor. Uma casa assim em BH, até aquele 17 de agosto de 2000, tinha ciclo de vida estimado em oito meses… Depois, trocavam-se o nome e alguns elementos de decoração, conseguiam-se novos contratos de patrocínio e seguia-se em frente.
Poucos dias antes de abrirmos, o representante de uma famosa champanhe francesa nos procurou. Trouxe a linha de materiais de merchandising laranja, como a marca famosa, e coloriu nossa decoração de um jeito que deixava tudo mais bonito. Mas disse que a política de vendas para casas noturnas era só à vista. Antes de nascermos, muitas casas quebraram com boletos altos em aberto com a empresa, e isso era inegociável. E ainda avisou que não poderia nos vender mais do que 15 caixas por mês.
Com muito custo, conseguimos que fossem 16 caixas… Naquela quinta, vendemos 14. E por 11 anos seguidos fomos a principal casa em vendas daquele champanhe. Tive a chance de conhecer e contar isso para o presidente da Maison Clicquot... Lembrar traz uma sensação boa de dever cumprido, mas naquela quinta havia mais fatores que nos tiravam o sono.
Desde então, muita coisa aconteceu. Tivemos inúmeras vitórias e algumas derrotas. Demos sorte de as vitórias terem sido mais notadas por nossos clientes. Tivemos também muita ajuda. Patrocinadores que nos apoiaram desde o início do projeto, concorrentes leais, clientes pacientes… Um que não posso deixar de citar, pois carrega grande parte da criação da assinatura do que é estar no evento naSala, é meu querido amigo Marcelo Marent.
Marent foi meu sócio no Clube MTV. Talvez a cabeça mais criativa e ousada surgida no mercado de eventos, e não só em BH. Marcelo era um cara do mundo. Ditava tendência muito antes de qualquer outro produtor. Teve casas que marcaram a cidade em épocas diferentes,
mas com o mesmo impacto. Todas referências absolutas: Hits, Josephine, Joy, para citar as que conviveram com a naSala.
Outra história pouco conhecida: depois de passar um carnaval em Escarpas do Lago, em 2002, tive a ideia de fazer a primeira festa naSala fora do Ponteio. Com ajuda do Ronaldo Álvares, diretor social do clube na época, e com a generosidade de Adhemar Ferreira, então presidente, tivemos autorização para, a partir da semana santa de 2003, começar a contar essa história.
Muita coisa foi importante para o sucesso das nossas festas no balneário e por podermos contar essa história. Com certeza absoluta, foi a assinatura do Marcelo Marent que fez esses eventos serem únicos, mostrando ao Brasil o que acontecia em BH. Marcelo nos deixou há alguns anos. Tenho certeza de que sabia de todo nosso carinho por ele, mas é fato que nunca conseguiremos agradecer o suficiente…
A naSala vive até hoje. São 21 anos neste mercado difícil de BH. Já não sou mais o gestor há 11 anos. Tenho a felicidade de ter passado o bastão para o time capitaneado pelo Kiko Gravata, que fez dela algo muito maior do que na minha fase. Posso dizer, feliz, que sou caso único de gestor aposentado pela própria casa noturna…
Não dou mais expediente lá. Estou com 43 anos. Mas se você estiver em algum de nossos eventos, notar um sujeito mal-humorado ao largo da pista e quiser me cumprimentar, será um prazer.
Não tenho saudade daquela época, saudade significa que ficou algo a fazer. Meu dever foi cumprido, mas sinto muito carinho e ainda mais orgulho.
A naSala mudou a minha vida. Virou meu sobrenome por muitos anos. Vivi coisas ali que o dinheiro não pode comprar. Com certeza, a melhor lembrança é de como ela mudou a vida de milhares de pessoas que por ali passaram.
A SEÇÃO “EMBALOS DE SÁBADO À NOITE” CONTA A HISTÓRIA DA VIDA NOTURNA DE BELO HORIZONTE, QUE, ANTES DA PANDEMIA, DEU O QUE FALAR