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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Volta ao palco deixa ator com 32 anos de carreira nervoso como principiante

Renato Milani conta, na seção Terceiro Sinal da coluna HIT, como está enfrentando o atual momento do teatro em meio à pandemia


14/01/2022 04:00 - atualizado 14/01/2022 21:02

ilustração de Lelis mostra o Gato de Botas sentado numa cadeira

Renato Milani
Ator

Quando as cortinas se fecharam por causa da pandemia, um medo muito grande tomou conta de mim e de muitos artistas. O medo de não estar mais aqui quando tudo voltasse a acontecer. Me preparei, então, em uma entrega para elaborar novo espetáculo, mesmo sem perspectiva alguma de encená-lo.
Me adaptei a ensaios on-line e, aos poucos, consegui ensaiar presencialmente após tomar as vacinas. Quando ocorreu a abertura dos teatros, meu espetáculo estava pronto para a estreia, que aconteceu no último novembro. Senti o nervosismo de ator em início de carreira.

Embora já sejam 32 anos de teatro profissional, minha impressão era de que o teatro continha algo de novo, algo de inédito naquele momento. Talvez porque as recomendações eram de não me aproximar do público, de evitar as fotos após o espetáculo, de não descer até a plateia em qualquer tipo de quebra da quarta parede. Restrições que não faziam parte do meu modo antigo de relação com o público e me indicavam que o teatro não mais era o mesmo.

Algo mudou. E essa alteração deixa uma pulga incômoda, pois não se sabe se será um aspecto permanente da relação ator/espectador. O fato é que, apesar de todos os pesares, eu estava de volta ao meu ambiente natural, me sentindo mais em casa do que em meu próprio apartamento, mais à vontade dentro do meu personagem do que me sinto às vezes comigo mesmo. Foram poucos dias de uma temporada curta. Vieram dezembro, as festas, as comemorações, a expectativa.

Agora, neste janeiro de um novo ano, não venho só. Trago comigo para os palcos em que estarei até março personagens para falar. Falar de tudo o que quero, pois este é o lugar em que eu, ator, quero me colocar. Falar para as crianças através da direção do “Gato de Botas”, discutir sobre relacionamentos e prazer com “A vovó em: Vamos falar de sexo”, trazer a nostalgia da era de ouro do rádio com “Nas ondas do rádio” e emprestar meu corpo e minha voz para que Shakespeare nos ajude a entender este mundo contemporâneo, mesmo com a escrita de um personagem do século 16.

Subo no palco com “Iago, o elogio da vingança” para questionar o ódio, a violência contra o outro, contra aquilo que é diferente, e para demonstrar que devemos estar atentos a todas as tramas que subterraneamente tentam usurpar nossa liberdade.

Enfim, as cortinas se abrem novamente. No acender das luzes do teatro, se acende também a certeza de que somos suficientemente fortes para enfrentar todas as provações que o mundo diariamente nos oferece. A relação do ator com o seu público é necessidade tão enraizada na experiência humana que nada impedirá que ela se realize eternamente.


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