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Estado de Minas FOLIA EM BH

'É triste constatar que a cultura da cidade também está adoecida'

O desabafo é de Gustavo Queixinho, fundador do bloco Unidos do Samba Queixinho, convidado deste domingo da seção 'Bloco na rua' da coluna HIT


30/01/2022 04:00 - atualizado 30/01/2022 08:59

Foliões pulam carnaval em clube social de BH, em fevereiro de 1951
Aspecto de um baile de carnaval em um clube de Belo Horizonte, em fevereiro de 1951 (foto: Arquivo EM/26/2/51)


BLOCO NA RUA
Tristeza e pé no chão

Gustavo Queixinho
Mestre do Samba Queixinho

Dei um aperto de saudade no meu tamborim
Molhei o pano da cuíca com as minhas lágrimas
Dei meu tempo de espera para a marcação e cantei
A minha vida na avenida sem empolgação

Nem se Clara Nunes e Mamão vivessem aqui em casa, comigo, poderiam cantar e compor os meus sentimentos de forma tão real como neste samba clássico de 1973.

Nos últimos meses, o Samba Queixinho viveu de esperança. Mesmo sabendo que era muito perigoso e que não iríamos desfilar em 2022, retomamos os ensaios na rua e, todas as terças e quintas, estávamos debaixo do viaduto Santa Tereza afinando nossos instrumentos e descontando no couro dos surdos a saudade imensa de dois anos de isolamento e silêncio.

Fizemos parcerias com artistas incríveis, tivemos apoio de onde menos esperávamos e lançamos o homenageado do carnaval de 2023, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Para um bloco de carnaval de rua que nasceu aguerrido para ocupar a cidade, isso não é pouca coisa. São conquistas incríveis.

Em meio a toda essa magia da retomada, a realidade burocrática também estava ali, no bloco. Sabe como? Bem desafinada, lá no fundo da última ala, tocando bem alto, num descompasso absurdo. Completamente fora da harmonia.

Mas eu, como mestre de bateria que sou, tive que ir lá para tentar ritmar e colocar as coisas no tom. Como se não bastasse esse inconveniente, ao lado dele, na plateia, sentada e observando de forma irresponsável o momento que estávamos passando, estava a sombra dos não vacinados e negacionistas que teimavam em contrariar a ciência e desprezar o coronavírus.

Não vou mentir. Sou músico e gosto de música. Me realizo profissionalmente com isso. Mas para que um desfile que leva milhares de pessoas para as ruas aconteça, sou absorto pelo dever de inúmeras reuniões com órgãos públicos, sanitari stas, especialistas em saúde pública, órgãos reguladores da cidade, diretores de ligas de blocos, entrevistas, enfim... os ossos do ofício.

Nesse caminho, além da insegurança sanitária, encontrei muita gente que não valia a pena, que foi traíra, que desdenhou e menosprezou a causa de centenas de artistas da cidade, completamente abandonados neste período pandêmico. É triste constatar que a cultura da cidade também está adoecida. Foi contaminada e vilipendiada da pior forma, por meio de quem a modera. Confesso que quase esmoreci. Mas a faísca do samba estava sempre lá, bem acesa, me chamando e lembrando que não posso desistir, que sou resistência. Desse desacerto vou fazer mais um samba-enredo com os maravilhosos apoiadores que conquistei ao longo dessa jornada. Sigo lutando com meu estandarte de mágoas.

Triste, confesso, mas determinado a permanecer firme no propósito da luta. Então, reafirmo que se existissem condições de segurança sanitária, esses percalços não me brecariam. Mas, por mais um ano, o vírus venceu e permaneceremos em casa, cuidando uns dos outros.

Em 2022 ainda seguiremos na eterna quarta-feira. Mas vamos manter a tradição e, em 2023, estaremos de novo nas ruas com os pés no chão.

Vai meu bloco
Tristeza e pé no chão.

>> A SEÇÃO “BLOCO NA RUA”, PUBLICADA AOS DOMINGOS NA COLUNA HIT, TRAZ TEXTO SOBRE O CARNAVAL ESCRITO POR UM CONVIDADO E FOTO DE FOLIAS DE OUTROS TEMPOS







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