Novo presidente da Sociedade Mineira de Cardiologia para o período 2022-2023, Antônio de Castro Fernandino Bahia Neto se graduou há pouco mais de 20 anos na Universidade Federal de Minas Gerais. Apesar de não ter se envolvido com o ambiente acadêmico em sua carreira, o cardiologista diz que o que mais lhe chama a atenção com relação ao ensino médico nas últimas duas décadas não são mudanças na estrutura curricular ou no modelo pedagógico, e sim o amplo acesso à informação no mundo globalizado atual. "Graduei-me em uma época em que a internet não fazia parte da nossa rotina diária. Para conseguir um artigo científico, por exemplo, tínhamos que solicitar na biblioteca da faculdade e o mesmo só chegava depois de algumas semanas. Hoje tudo está ao alcance imediato, com um click, e a informação de qualidade é acessível também através de vários outros formatos, como mídias digitais."
Ele também reconhece a grande evolução dos recursos tecnológicos disponíveis para avaliação e assistência ao paciente, que são tratados com bastante familiaridade pelas gerações mais novas. "Em contrapartida, temos que tomar muito cuidado para não relegar a um segundo plano princípios fundamentais da medicina, como escutar o paciente, tocá-lo, desenvolver a empatia e se tornar sensível aos seus problemas."
Antônio Bahia tem título de Fellow da Sociedade Europeia de Cardiologia, concedido a um grupo de pouco mais de 4.300 profissionais no mundo todo. Seu nome foi indicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e aprovado no segundo semestre de 2020. "O Fellow da Sociedade Europeia de Cardiologia é um título de honra concedido a profissionais de saúde que têm alguma contribuição relevante à especialidade. É motivo de muito orgulho, por ser um título reconhecido pela comunidade cardiológica como um símbolo de excelência", comenta, acreditando que a indicação se deva em grande parte "ao trabalho e ao compromisso já de quase 15 anos no atendimento aos pacientes do SUS com quadro de infarto agudo do miocárdio, o que por si só já é motivo de grande realização pessoal e profissional".
Você conhece bem a realidade da Sociedade Mineira de Cardiologia (SMC), da qual atualmente é diretor financeiro e há dois anos foi vice-presidente. Nesse contexto, qual o grande desafio à frente da SMC e como se prepara para enfrentá-lo?
A Sociedade Mineira de Cardiologia teve nos últimos anos gestões austeras, marcadas pela transparência, responsabilidade e sustentabilidade. Tive o privilégio de fazer parte das duas últimas diretorias, presididas pelos colegas Carlos Eduardo de Souza Miranda e Henrique Patrus Mundim Pena. Além de toda a experiência adquirida pelo convívio e exemplo diário desses dois grandes líderes, o exercício de cargos de gestão em outras entidades de classe e em uma instituição hospitalar nos trouxe uma maior segurança e preparo para enfrentar os desafios deste próximo biênio. E certamente o maior deles é promover o crescimento contínuo da Sociedade, de maneira ética e de modo a alcançar um destaque cada vez maior nacionalmente, difundindo e transformando o conhecimento científico em melhor qualidade assistencial e promoção da saúde.
BH é sede da SMC, que é formada pelas regionais Sul, Triângulo, Leste, Leste/Nordeste, Campo das Vertentes, Centro/Oeste e Norte. Em um ano em que a pandemia ainda não acabou, como você pretende estreitar os laços entre os cardiologistas do estado, contribuindo tanto com a vida profissional quanto com o incentivo à aquisição de conhecimento e ampliação dos horizontes científicos?
Este é um trabalho que já vem sendo realizado de maneira contínua nos últimos anos. Minas Gerais é um estado de grande dimensão territorial, o que torna a integração entre os cardiologistas mineiros, dentro de cenários e realidades regionais muito diversas, um obstáculo e, ao mesmo tempo, um grande estímulo! Fazê-los sentirem-se representados e como parte atuante da SMC nos parece ser a chave do sucesso. O modelo de governança atual, em que os representantes de cada uma das sete regionais participam ativamente das nossas atividades associativas, possibilita uma gestão mais inclusiva e representativa. E neste cenário de pandemia, a difusão de ferramentas para reuniões on-line e ensino a distância nos possibilitaram transpor barreiras impostas pela distância e, de certa forma, facilitaram nossa missão de congregar os cardiologistas mineiros para analisar e difundir a ciência médica.
Com a pandemia, o mundo virou de pernas para o ar. Qual o reflexo dessa crise de saúde que o cardiologista percebe com clareza? Por quê?
Na pandemia, temos observado um aumento expressivo no grupo de risco para doenças cardiovasculares, seja porque as pessoas estão se tornando cada vez mais ansiosas e estressadas, estão se alimentando de maneira inadequada ou simplesmente deixando de praticar alguma atividade física, devido às restrições impostas pelo isolamento. Ademais, o medo da contaminação neste período levou vários pacientes a deixarem de procurar assistência médica para tratamento de doenças crônicas e exames de rotina e prevenção. As próprias restrições de acesso aos hospitais e o contingenciamento de leitos para o tratamento da COVID-19 reduziram drasticamente o número de procedimentos eletivos realizados nos últimos dois anos. O resultado observado é um aumento de 6,8% nas mortes por doenças cardiovasculares no Brasil no último ano, com relação a 2020, e 12,5% com relação a 2019, segundo dados recentes apresentados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.
A vacinação é o caminho para o combate à COVID, a utilização de álcool em gel é imprescindível, assim como evitar aglomerações. Mesmo assim, se não formos contaminados, teremos sequelas emocionais desta pandemia. Já quem teve a doença ainda poderá sofrer algum tipo de sequela física. O que fazer para que tudo isso, literalmente, não faça o coração sofrer?
A criação de novas rotinas, adequadas às restrições e cuidados que o momento impõe, é fundamental para um coração saudável. Sem negligenciar o uso de máscaras, o distanciamento e a vacinação, manter a prática regular de exercícios físicos, os cuidados com uma dieta equilibrada e o abandono de hábitos como o tabagismo e o consumo excessivo de álcool são a chave de uma vida saudável. Neste mundo de amplo acesso a informações, procurar afastar-se de notícias que possam causar ansiedade e estresse e usar a tecnologia para momentos de relaxamento e para nos aproximar dos amigos e familiares são boas dicas para minimizar os sofrimentos causados pela pandemia.
Você já foi diretor do Hospital Nossa Senhora das Graças, que fica em Sete Lagoas e atende a uma população de 650 mil pessoas, considerando as cidades ao redor. Um dos destaques da instituição é a rede estruturada para atendimentos de infartos do miocárdio, inclusive no SUS. Qual a importância desse serviço, como funciona e qual impacto tem? Existe opção de levá-lo para outras cidades?
O infarto agudo do miocárdio é a principal causa de óbitos no Brasil. Entre as medidas que sabidamente reduzem a mortalidade nesta situação estão o diagnóstico precoce e o tratamento imediato. Atualmente, Sete Lagoas e região contam com um serviço de excelência no atendimento ao infarto no SUS, com acesso integral e irrestrito dos pacientes com dor torácica ao Hospital Nossa Senhora das Graças, 24 horas por dia, sete dias por semana. Enquanto dados nacionais mostram que apenas 15% dos pacientes na fase aguda de um infarto têm acesso a um cateterismo cardíaco e/ou angioplastia, a realidade na região é que todos os que precisam são submetidos a esses procedimentos, de maneira imediata e a qualquer hora quando indicado. Isso só é possível, além do empenho e compromisso dos profissionais envolvidos, pelo credenciamento da instituição junto ao SUS em alta complexidade cardiovascular e ao Programa Rede de Resposta às Urgências e Emergências da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Dessa forma, em qualquer instituição hospitalar do estado que atenda aos requisitos legais e de estrutura para os credenciamentos acima é possível implantar um serviço similar.
No final do ano passado, o governo federal, por meio de portaria, alterou a tabela de valores dos procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e material especial para atendimento a casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) no Sistema Único de Saúde (SUS), bem como implantes de marcapassos e outros procedimentos em alta complexidade cardiovascular. Em que isso pode se refletir no dia a dia do paciente atendido pelo SUS e o que você acha que deve ser feito para que seja garantido atendimento com dignidade pelo SUS?
Como já amplamente manifestado, inclusive pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e pela própria SMC, a economia e o uso racional de recursos devem sempre nortear qualquer gestão, quanto mais a pública. No entanto, a preocupação gerada pela publicação da portaria ministerial se deve à importante redução orçamentária em itens necessários para os atendimentos das demandas da alta complexidadecardiovascular, o que pode acarretar algum risco de desabastecimento e suspensão de procedimentos eletivos e emergenciais no SUS. A solução, como parece já estar sendo construída, passa pela ampla discussão e envolvimento de entidades como a Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista e Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular nos estudos técnicos para uma realocação orçamentária viável.