Luciana Veloso,
atriz e produtora cultural
Viver de teatro sempre foi um grande desafio para mim e, tenho certeza, para muitos outros artistas que escolheram encarar o palco como um caminho possível. Não é fácil fazer teatro, não é fácil viver de teatro no Brasil. E durante quase dois anos, enquanto vivemos momentos terríveis em decorrência da pandemia de COVID-19, o que já não era fácil se tornou impossível.
Não há nada que deixe uma pessoa mais frustrada do que a impotência diante de algo que lhe é caro. E para quem tem o palco como espaço de realização do seu ofício, de manifestação dos seus desejos e de construção da sua história, o teatro é um bem precioso, é o lugar das nossas realizações, onde a gente se sente inteira por estar com o outro, onde encontramos uma provável liberdade através de uma experiência com início, meio e fim.
Sim, o teatro acaba a cada vez que ele acontece, a história chega ao fim e, quando a luz se apaga, tudo aquilo vira passado, lembrança e imaginação. O artista vai para a sua casa e volta a sonhar com a possibilidade de viver aquilo mais uma vez e mais uma e mais quantas forem possíveis para se sentir vivo, atuante, em ação.
E o teatro parou durante um tempo, virou memória, as salas ficaram vazias, as luzes apagadas, nem choro, nem risadas, nem conversas, nem histórias, tudo era silêncio. Era inevitável não temer que talvez não houvesse uma outra vez, porque o teatro não pede, exige o encontro; e se a gente não vai lá e vive aquele momento, aquela outra vez que está esperando, ele vai ficando distante como um sonho que se esvai durante o dia, até o ponto de a gente não se lembrar mais com o quê sonhou.
Mas o caminho é difícil, lembram-se? E quando você está acostumada a lidar com um desafio a cada passo e a encontrar soluções inesperadas, improvisando diante de outras pessoas, você “dá um jeito”, abre a trilha “no facão” para deixar entrar um pouco de luz e enxergar alguma possibilidade para continuar a caminhar. E a gente inventou, experimentou, lutou, até encenou, mas, no fim das contas mesmo, não era o teatro que a gente conhecia, eram “lives”, eram “curtas”. Às vezes, parecia até ensaio. Definitivamente, não era o teatro que a gente desejava estar fazendo, mas nos permitia continuar a sonhar.
Me preparei para voltar aos palcos, atuando em dois espetáculos. Me senti tomada pela ansiedade de viver mais uma vez o desejo de estar em cena, de contar histórias, de me encontrar com o público, com as equipes dos espetáculos nos ensaios, na montagem de luz, no camarim, nas coxias.
Me veio a lembrança daquela sensação que acontece exatamente antes de a cena começar, é como se um fio de esperança se acendesse mais uma vez para me mostrar uma possível direção dentro da mata escura. O caminho é pedregoso, eu já sei, a previsão do tempo é instável, mas é por ali que escolho seguir para buscar um local de ampla visibilidade, de encontro comigo e com o outro, que faz eu me sentir mais viva, mais saudável e mais feliz: o meu teatro!
Poucos dias após escrever a primeira versão deste texto, os planos mudaram mais uma vez, as temporadas foram canceladas por razões diversas relacionadas à pandemia e a minha expectativa de “renascimento” foi outra vez frustrada. Algumas coisas não estão em nosso controle e precisamos de maturidade suficiente para tomar decisões que nem sempre são desejadas. Ainda não foi desta vez, mas em breve será! Viva o teatro! Vida ao teatro!