Jornal Estado de Minas

CARNAVAL

BH está cinza de novo, após o carnaval que o povo e blocos colocaram na rua

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Naroca

Musicista, DJ e professora

Pelos idos de 2008, se duas pessoas se encontrassem em Belo Horizonte às vésperas do carnaval, provavelmente o papo seria: “E aí, vai viajar? Pra onde você vai?”.





Ficar na cidade era uma opção bastante impensável. No mínimo, a turma ia caçar um sítio, um lugar pra beber o feriado inteiro, caso não fosse chegada a subir e descer ladeira em Diamantina e Olinda ou se esbaldar na Cidade Maravilhosa. Lembremos que naquela época a situação política e econômica do país era beeeeem diferente, e o dinheiro do povo dava pra sonhar em viajar e ainda sobrava pra tomar uns bons latão!

Quem ficava em Belo Horizonte brincava: dá pra sair pelada na rua, de tão vazia!

Corta para 2013. Quarta-feira de cinzas, e a cidade mais colorida do que nunca! Estamos no Santa Tereza, numa rua deliciosa que o bloco I Wanna Love You ocupou para curar a ressaca dos foliões e foliãs da cidade após, no mínimo, 15 dias de muito carnaval. O bloco reúne tambores, cordas e amigues ao redor do reggae. Carnavaliza as músicas do Bob Marley e de outros ícones do estilo. Assim como o Chama o Síndico coloca Tim Maia e Jorge Ben nos ritmos mais inesperados, a Alcova Libertina tropicaliza os gênios do rock, o Então Brilha!, a Juventude Bronzeada e as Havayanas Usadas iluminam a cidade com seu axé multicultural, enquanto Babadan, Magia Negra, Angola Janga, Unidos do Barro Preto e as Lhamas fazem cruzamentos rítmicos e visuais para afirmar a luta contra todos os preconceitos.

Bruta Flor, Baque de Mina, Bloco Clandestinas e Sagrada Profana trazem a voz das mulheres que todos os dias pedem mais respeito e equidade, enquanto Garotas Solteiras, Alô Abacaxi, Truck do Desejo e Corte Devassa vêm de caravela sambando na cara do patriarcado com muito luxo. Assim como o Samba Queixinho, o Swing Safado, o Seu Vizinho e os Tiozões do Pagode botam o povo pra descer até o chão com o melhor do Brasil. Assim como os Filhos de Tcha Tcha e de Gil, os canarinhos do Tico Tico, as santas do pau oco da Tetê, a multidão do Bloco da Praia, as mimosas do Mamá na Vaca e tantos outros “bloquinhos”, escolas de samba e blocos caricatos lindos que não consegui listar não se cansam de cantar e tocar e marchar e afirmar: a cidade é nossa! Cada rua, cada esquina desta cidade é dos seus habitantes. Por que temos que sair da nossa cidade pra celebrar a festa mais importante da cultura brasileira?

Eis que, naquela quarta-feira de cores, após o reggae comer solto na rua da casinha amarela de porta azul, saiu o Bloco do Manjericão, não sem a transição deslumbrante do Coletivo Pópocô, que criou história e estética na cidade. E foi em uma quarta-feira, como diria a deusa Luedji, que após a saga de todo um carnaval, depois do reggae, depois do Manjericão, uma turminha silenciosa e bela estreou o primeiro bloco de nudismo da cidade: salve as Almas Peladas! Procure saber...

Corta para 2022. A cidade está cinza de novo. Não fosse o C.U.R.A. e os grafites que tanto a colorem, estaria pior. Quem pôde deu o seu jeito de viajar em janeiro, esse luxo já não é mais pra todo mundo – o país vive o pior momento econômico das últimas décadas. Vamos para o segundo ano consecutivo sem o carnaval de rua que fez esta cidade renascer das cinzas, que colocou BH no mapa cultural de onde ela passava longe, que levantou nossa autoestima enquanto sociedade, que gerou empregos, encontros e alegrias.





E o pior: vamos para o segundo ano consecutivo sem apoio nenhum do poder público, que tem lidado com muito descaso com os trabalhadores e trabalhadoras da folia: ambulantes, músicos, bandas, produtores, técnicos, DJs, bailarinos, regentes, costureiras e uma série de pessoas que construíram o mercado milionário para que marcas de cerveja e produtores ricos pudessem lucrar rios de dinheiro com suas licitações.

O que vemos hoje são almas peladas de apoio, incentivo, auxílio emergencial, acolhimento e reconhecimento por parte daqueles que, um dia, pegaram carona num trio elétrico financiado pela multidão.

A SEÇÃO 'BLOCO NA RUA', PUBLICADA AOS DOMINGOS NA COLUNA HIT, TRAZ TEXTO SOBRE O CARNAVAL ESCRITO POR UM CONVIDADO E FOTO DE FOLIAS DE OUTROS TEMPOS