Uma olhada cuidadosa nas colunas laterais desta página vai despertar um misto de emoções. Para quem acompanha a história do teatro em Belo Horizonte desde os anos 1960, será inevitável a saudade de amigos, profissionais que já se foram ou não são lembrados, apesar do trabalho importante que desenvolveram nos palcos.
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O teatro e sua força gigante de resistência e permanência Nem mesmo a pandemia apagou o fio de esperança que sustenta o teatroAtor realiza sonho e monta teatro nos fundos de casa, no bairro Nova SuíçaPeça sobre sexo lotou o Teatro do Senac, na conservadora BH dos anos 1970Diretor revela vontade de produzir a quarta versão de 'O processo' em BHBH montou sua versão de "Pequenos burgueses" nos anos 1970A produção sempre foi democrática – como ainda é –, prestigiando do humor ao drama, da comédia à tragédia. Montagens políticas se destacaram em tempos difíceis, como na época da ditadura militar. Dos anos 1960 até a década de 1990, o teatro de BH foi transgressor, moderno.
Curioso nisso tudo é pensar que a sociedade atual, flertando com o retrocesso, parece se incomodar com temas que sempre deveriam ser motivo de reflexão. Aquelas montagens, em sua maioria, falavam de política, religião e sexualidade, assuntos que hoje são estopim para discussões acaloradas.
No mundo do cancelamento, qual seria a reação do público a peças “polêmicas”? Em busca de respostas, a coluna fez um desafio a diretores, atores e produtores que trabalharam em montagens fundamentais para a construção do teatro mineiro. Além da importância das produções nas décadas passadas, quisemos saber como a plateia, hoje em dia, reagiria a elas.
Foi necessário fazer um recorte, que começa aleatoriamente nos anos 1960 e termina em 1999. A produção dos anos 2000 cresceu de tal forma que merece recorte exclusivo, que virá futuramente.
A linha do tempo que o leitor acompanha aqui não está completa. Em 40 anos, a produção belo-horizontina foi considerável. Para montar a seleção, a coluna HIT recorreu ao centro de documentação do Estado de Minas, consultou diretores e acompanhou três episódios do projeto de Pedro Paulo Cava sobre a história do teatro em Belo Horizonte nos últimos 50 anos.
TERCEIRO SINAL
Censurada no passado, cancelada no presente
Wilson Oliveira
Diretor
Com a ascensão política dos evangélicos ao poder, o Brasil, neste ano eleitoral de 2022 aproxima-se demais das comédias em cartaz nos palcos brasileiros na década de 1990. Em Belo Horizonte, fiz a direção da peça “Teledeum”, que cumpriu temporadas em 1993 e 1994 nos teatros Ceschiatti, Marília e Sesiminas, garantindo raiva e risos a uma plateia entusiasmada.
O elenco de atores brilhantes formados pelo Cefar/Palácio das Artes contava com Dimir Viana, Fabrício Andrade, Herbert Tadeu, João Paulo Proença, Jussara Fernandino, Karina Drummond, Léo Quintão, Luiz Arthur, Márcia Bechara, Neise Neves, Pollyana Santos e Raul Starling. Tecnicamente bem preparados para cantar e atuar, conseguiam extrair da musicalidade do texto a expressão irônica que toda juventude anseia para contestar o status quo.
Fascinado pela temática do poder, o autor espanhol Albert Boadella investe no ponto nevrálgico de toda religião: o rito. Esclarece, em entrevista ao El País, que “a teologia é a coisa mais pagã que existe, porque dá explicações de um fenômeno que é irracional”.
Um encontro ecumênico em um estúdio de televisão, que será transmitido ao vivo para todo o mundo ocidental, é o ponto de partida para denunciar a industrialização da fé. Os representantes das diversas religiões oriundas do cristianismo ali presentes, fiéis aos seus princípios, buscam inutilmente organizar uma cruzada contra o ateísmo materialista.
Trabalha-se ali com duas das mais fortes instituições de nossos tempos: a religião e a mídia. Em cena, tínhamos uma freira, um mórmon alemão, um anglicano, uma testemunha de Jeová, um padre católico, uma monja da Igreja Católica Norte-Americana Separada, um calvinista francês e um reverendo da Igreja Evangelista de Kansas City, Estados Unidos. Depois de intensa pesquisa em torno da pluralidade religiosa de Belo Horizonte, acrescentamos na adaptação do texto mais quatro personagens, incluindo até uma prima de Daniela Mercury, dissidente dos afro-baianos que aderem à Igreja Metodista Mineira.
Apesar de não ter sido censurado em países onde foi encenado, como Estados Unidos, Espanha e Bélgica, o espetáculo custou ao seu autor vários processos, atentados terroristas e uma pichação em muros de Valência, na Espanha, que saudavam o retorno da Santa Inquisição. No Brasil, provocou a ira da censura, que proibiu sua encenação em 1987, em São Paulo, em sua primeira montagem nacional, com direção de Cacá Rosset.
Em vídeo que circula nas redes sociais, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, a pastora Damares Alves, afirma ter visto Jesus se aproximar dela em um pé de goiabeira e demovê-la de um ato extremo. Com inspiração menos nobre, eu também, naquele ano de 1993, no programa da peça, quis “advertir os presentes que aquela cerimônia foi concebida para o nosso próprio deleite. Para dar um sentido ecumênico ao ato seria necessário, entretanto, que os espectadores estivessem ali presentes, limpos das impurezas sociais que os importunavam diariamente, demolindo os muros que, porventura, nos separassem, esquecendo pequenos rancores do passado, para que assim unidos pudéssemos expulsar as nuvens que ocultam a luz do Supremo. Com alegria, fé e júbilo desejávamos recordar aquele versículo do livro dos Mórmons que diz: 'Os homens existem para que tenham gozo'”.
Se estivéssemos em cartaz nos dias de hoje, seríamos cancelados.
“TELEDEUM”
.Peça exibida em 1993
.Autor: Albert Boadella
.Diretor: Wilson Oliveira
.Produção: Cefar
LINHA DO TEMPO
ANOS 1990
“Pinóquio” (1999)
De Carlo Colodi, direção de Kalluh Araújo
“Perigo, mineiros em férias” (1999)
Texto e direção de Rogério Falabella
“Algo em comum” (1999)
De Harvey Fierstein, direção de Wilson Oliveira
“A morte de DJ em Paris” (1999)
De Roberto Drummond, direção de Walmir José
“O segredo de Cocachin” (1998)
De Ruth Rocha, direção de Kalluh Araújo
“Zaac e Zenoel” (1998)
Grupo Oficcina Multimedia, direção de Ione de Medeiros
“O ensaio sobre a cegueira” (1998)
Adaptação da obra de José Saramago, direção de Cida Falabella
“Dona Flor e seus dois maridos” (1997)
De Jorge Amado, direção de Kalluh Araújo
“Futuro do pretérito” (1997)
De Regiane Antonini, direção de Pedro Paulo Cava
“Um Molière imaginário” (1997)
Direção de Eduardo Moreira
“A hora da estrela” (1997)
Adaptação da novela de Clarice Lispector, direção de Cida Falabella
“O beijo no asfalto” (1996)
De Nelson Rodrigues, direção de Wilson Oliveira
“Carnaval dos animais” (1996)
Adaptação e direção de Álvaro Apocalypse
“A bonequinha preta” (1996)
Texto de Alaíde Lisboa, adaptação de Sérgio Abritta, direção de Cida Falabella
“A alma boa de Setsuan” (1995)
De Bertolt Brecht, direção de Cida Falabella
“Babachdalghara” (1995)
Oficcina Multimédia, direção de Ione de Medeiros
“Alzira Power” (1995)
De Antônio Bivar, direção de Kalluh Araújo
“Happy birthday to you” (1994)
Oficcina Multimédia, direção de Ione de Medeiros
“Mão na luva” (1994)
De Oduvaldo Vianna Filho, direção de Wilson Oliveira
“A rua da amargura” (1994)
Direção de Gabriel Villela
“Aníbal Machado, quatro, oito, sete” (1994)
Roteiro a partir da obra de Aníbal Machado, direção de Cida Falabella
“Bom dia Missislifi” (1993)
Grupo Oficcina Multimédia, direção de Ione de Medeiros
“Enfim só” (1993)
Texto e direção de Gugu Olimecha e Rogério Cardoso
“Bodas de sangue” (1993)
Texto de García Lorca, direção de Cida Falabella
“Eu te amo, ditadura” (1993)
De Sérgio Abritta, direção de Wilson Oliveira
“Hollywood bananas” (1993)
Texto e direção de Eid Ribeiro
“Pedro e o lobo” (1993)
Adaptação e direção de Álvaro Apocalypse
“Doroteia vai à guerra” (1993)
De Carlos Alberto Ratton, direção de Kalluh Araújo
“A filha da...” (1992)
De Chico Anysio, direção de Walmir José
“Romeu e Julieta” (1992)
Direção de Gabriel Villela
“Decameron” (1992)
De Boccaccio, direção de Carlos Rocha
“Caminho da roça” (1992)
Roteiro a partir do estudo “O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha”, de Vera Lúcia Felício, direção de Cida Falabella
“Na onda do rádio” (1992)
Texto e direção de Eid Ribeiro
“Bicho-de-pé, pé de moleque” (1992)
De Eid Ribeiro, direção de Carlos Rocha
“Anjos e abacates” (1992)
Texto e direção de Eid Ribeiro
“Álbum de família” (1991)
Adaptação da obra de Nelson Rodrigues e direção de Eid Ribeiro
“Dois idiotas cada qual no seu barril” (1991)
De Ruth Rocha, direção de Kalluh Araújo
“A comédia dos sexos” (1991)
De Gugu Olimecha e Petersen, direção de Cássio Pinheiro
“Um sobrado em Santa Tereza” (1991)
De Walmir José, direção de Luiz Carlos Garrocho
“Trivial simples” (1991)
De Nelson Xavier, direção de Wilson Oliveira
“Duas horas da tarde no Brasil” (1990)
De Adélia Prado, direção de Kalluh Araújo
“A casa do girassol vermelho” (1990)
Adaptação da obra de Murilo Rubião, direção de Cida Falabella
“A flor da obsessão” (1990)
Roteiro inspirado na obra de Nelson Rodrigues, com direção de Eid Ribeiro
ANOS 1980
“Um casal aberto” (1989)
De Dario Fo, direção de Ricardo Batista
“Giz” (1988)
Direção de Álvaro Apocalypse
“Foi bom, meu bem?” (1988)
De Luís Alberto de Abreu, direção de Márcio Machado
“Bella ciao” (1988)
De Luís Alberto de Abreu, direção de Pedro Paulo Cava
“Triunfo, um delírio barroco” (1986)
Concepção e direção de Carmen Paternostro
“Amor de vampira” (1986)
Texto e direção de Carl Schumacher
“Decifra-me que eu te devoro” (1986)
Grupo Oficcina Multimédia, direção de
Ione Medeiros
“O círculo de giz caucasiano” (1986)
De Bertolt Brecht, Teatro do DCE/PUC
“Lua de cetim” (1986)
De Alcides Nogueira, direção de Pedro Paulo Cava
“O encontro marcado” (1985)
De Fernando Sabino, direção de Paulo César Bicalho
“O beijo no asfalto” (1984)
De Nelson Rodrigues, direção de Ronaldo Brandão
“Rasga coração” (1984)
De Oduvaldo Vianna Filho, direção de Pedro Paulo Cava
“A lira dos vinte anos” (1984)
De Paulo César Coutinho, direção de Wilson Oliveira
“Marat-Sade” (1983)
De Peter Weiss, direção de Haydée Bittencourt
“Fala baixo senão eu grito” (1983)
De Leilah Assunção, direção de Eid Ribeiro
“Toda nudez será castigada” (1983)
De Nelson Rodrigues, direção de Ronaldo Boschi
“As relações naturais” (1983)
De Qorpo Santo, direção de Álvaro Apocalypse
“Morra de rir sem fazer xixi” (1983)
Texto e direção de Ronan Duvalle, Joaquim Montiel e Tyaras Crispim
“Suburbana” (1983)
De Celso Antônio Fonseca, direção de Eduardo Rodrigues
“Qual é Brasil?” (1980)
Direção de Jota Dangelo
ANOS 1970
“Cobra Norato” (1979)
De Raul Bopp, direção de Álvaro Apocalypse
“Pequenos burgueses” (1979)
De Maximo Gorki, direção de Jota Dangelo
“Grande sertão” (1978)
De Guimarães Rosa, criação coletiva da Cia. Sonho e Drama
“O filho do boi coringa” (1976)
De Bley Barbosa, direção de Paulo César Bicalho
“A prostituta respeitosa” (1976)
De Jean-Paul Sartre, tradução de Miroel da Silveira, direção de Orlando Pacheco
“O relatório Kinsey ou Olha que tem nós na cama” (1974)
De Alberto D'Aversa, direção de Alcione Araújo
“Mirandolina” (1974)
De Carlo Goldoni, direção de Ronaldo Boschi
“Dom Chicote Mula Manca e seu fiel companheiro Zé Chupança” (1974)
De Oscar von Pfuhl, direção de Pedro Paulo Cava
“Há vagas para moças de fino trato” (1974)
De Alcione Araújo, direção de Eid Ribeiro
“Frei Caneca” (1973)
Direção de Jota Dangelo
“O santo inquérito” (1973)
De Dias Gomes, direção de Ronaldo Boschi
“A bela adormecida” (1971)
Direção e adaptação de Álvaro Apocalypse
“O fedor” (1970)
Texto e direção de José Antonio de Souza
“A noite dos assassinos” (1970)
De José Triana, direção de Paulo César Bicalho
ANOS 1960
“Numância” (1968)
Adaptação do texto de Miguel de Cervantes, direção de Amir Haddad
“OhOhOh!!! Minas Gerais” (1967)
Texto e direção de Jonas Bloch e Jota Dangelo
“Seis personagens à procura de um ator” (1967)
De Luigi Pirandello, direção de Haydée Bittencourt
“Liderato, o rato que era líder” (1967)
De André Carvalho e Gilberto Mansur, direção de Helvécio Ferreira