Exatos 73 dias depois de sua abertura, a mostra “Movimento Armorial – 50 anos” se despede do público nesta segunda-feira (7/3). Em cartaz no CCBB-BH, na Praça da Liberdade, a exposição é, sobretudo, uma bela homenagem a Ariano Suassuna, líder do movimento que uniu um grupo de artistas no Recife dos anos 1970. Regina Godoy precisou de tempo e paciência para colocar seu projeto em cena, pois a pandemia atrasou todo o cronograma.
“O que antes era projeto foi se tornando realidade, com forma, cor e muita troca diante de mim, em cada sala que ficava pronta, a cada quadro desembrulhado”, recorda. A sala dedicada a Ariano é o espaço que mais chamou a atenção de Regina. “As iluminogravuras são joias que sintetizam arte deste mestre”, afirma. “Em seguida, vem a sala de Samico – um gênio da pintura, da gravura. Mas, a cada sala, uma obra me chamava a atenção. O Cristo negro e os figurinos de Brennand, recriados para a mostra; a sala do cordel criado pelo pernambucano Pablo Borges – filho de J. Borges; a sala das xilogravuras e, por último, as aulas-espetáculo de Ariano. Ter a voz e o humor dele presentes foi espetacular”, enumera.
Nesta segunda-feira, será encerrada a mostra “Movimento Armorial – 50 anos”, no CCBB. Qual é a sua avaliação sobre a reação do público? Foi um desafio “enfrentar” a Ômicron?
O público de BH abraçou a mostra e respondeu com entusiasmo A exposição ganhou muitos fãs, a Onça Caetana foi a “musa” do verão mineiro. Foi muito acolhedor iniciar nossa trajetória por BH, que tem muitas semelhanças com a cultura popular de Pernambuco. O CCBB-BH soube conduzir as questões de saúde com muita elegância – ingressos foram retirados com antecedência pela internet ou presencialmente. Isso facilitou a fluência do público. Com as vacinas e os cuidados adotados, o mineiro saiu de casa e encontrou a alegria, a beleza e o colorido do Movimento Armorial.
O que foi mais marcante durante a exibição da mostra em BH?
A participação do público nos encontros sobre arte armorial. Mesmo tímida, pois eles ocorreram no período das chuvas e tragédias em Minas. Havia uma plateia seleta e de altíssima qualidade. Um fato curioso foi ver a Onça Caetana ser produzida do zero. Ela foi produzida em BH pelo artista mineiro Agnaldo Pinho e sua equipe. Acompanhei virtualmente o processo. Quando fui ao ateliê, ela estava lá em partes. Tive impacto igual ao do público quando a vi em sua magnitude no dia da montagem, na sala onde ela recepcionaria o público mineiro. A arte popular recepcionou todos os visitantes. Outro fato importante é que a grande maioria das obras nunca havia saído do Recife. Saíram para esta mostra, nessa conexão Pernambuco-Minas.
Como foi a sua vivência na capital mineira?
Foi de muitos encontros. Conheci um quilombo, onde vi as passistas plus size de BH se apresentando, a ótima comida mineira. O Mercado Central é um mundo à parte de delícias para alimentar os sentidos; o Mercado Novo e sua gastronomia, com cardápios variados para todos os gostos. Conheci o Agnaldo Pinho e equipe, que deram o sopro de vida à Onça Caetana, conheci a Virgínia Barros e comprei uns sapatos maravilhosos. Conheci a família do Fernando Sabino. Visitei o museu da Vale, andei pela cidade, em especial pela Praça da Liberdade. Fiquei encantada, BH é linda. Agradeço por essa energia para o nosso começo. Seguiremos daqui preenchidos por amor e alegria. Levaremos um pouco de Minas dentro de nós para as outras etapas da mostra, no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Ao que tudo indica, a pandemia está menos agressiva. Como a senhora se prepara para o mundo pós-pandemia?
Com a alegria e a força do Movimento Armorial. Nossa mostra foi pensada e desenhada em plena pandemia. Sempre acreditei – e lá se vão 30 anos de histórias – que a arte salva. E foi ela que salvou todos nós durante a pandemia. O trabalho da Nise da Silveira, com o qual tivemos o prazer de dividir as atenções do público no CCBB, reforça essa máxima. Eu me energizo com a alegria dos encontros – ainda tímidos, mas estamos saindo do casulo. O fato de sair de casa, poder andar sob o sol, sob o céu, e ver o horizonte alimenta a alma. Ainda com todos os cuidados, vestida de alegria e caminhando com a esperança tatuada no corpo. Com a arte nos pensamentos, aprendemos a apreciar e dar valor a pequenos detalhes. Acho que será este o espírito do novo velho mundo.
O que falta, aqui no Brasil, para que projetos de impacto sociocultural atinjam mais pessoas, especialmente no interior?
É uma pergunta ampla, pois variados fatores interferem nesse fluxo. Mas falta a vontade política de destinar recursos para valorizar a arte local, a arte popular. A falta de investimento na cadeia produtiva que envolve o fazer artístico é outro fator. Falta reconhecer a importância e dar espaço e investimento para a cultura popular, que está em todos os cantos deste Brasil. Precisamos descentralizar as verbas públicas, assim teremos cadeia produtiva forte e com mais força para atuar. É preciso desburocratizar o acesso da cultura popular a recursos financeiros públicos. Só assim teremos como formar elos fortes para manter tradições culturais. Mas, principalmente, falta investimento na educação, onde o amor à arte começa. As crianças imbuídas de arte geram adultos que darão continuidade às tradições culturais deste imenso país. A juventude precisa respirar arte.
A educação e a cultura vivem uma fase muito difícil. Qual é a mensagem da mostra “Movimento Armorial – 50 anos” para este momento?
Ariano Suassuna evidenciava a cultura popular. Dava valor aos artistas populares e a seu grande conhecimento. Mostrou como a cultura popular e a arte erudita se complementam e se alimentam uma da outra. Esta mostra segue na trilha de Ariano, apresentando a arte popular num espaço eclético como o CCBB-BH. O trajeto proposto pela cenografia da exposição mostra esse imbricamento entre o popular e o erudito. Este país é grande, tem em cada localidade a sua forma de enxergar o mundo e se expressar através da arte popular. É preciso dar valor ao conhecimento dos mestres e mestras da cultura popular. Que as manifestações culturais permeiem aprendizados em sala de aula. Que se criem mais acessos da arte popular aos recursos públicos.
“MOVIMENTO ARMORIAL – 50 ANOS”
Nesta segunda (7/3), das 10h às 22h. Último dia. CCBB-BH, Praça da Liberdade, 450, Funcionários. Entrada franca, mediante retirada prévia de ingressos. Informações em
https://ccbb.com.br/belo-horizonte/