A morte da fotógrafa e jornalista Marisa Alvarez Lima, em 16 de março, deixou pesarosos não só a família e os amigos, mas a música popular brasileira. Gal Costa, Maria Bethânia e Caetano Veloso demonstraram sua dor nas redes sociais. “Estamos tristes”, escreveu Bethânia.
Clicada por Marisa para o LP “Caras e bocas”, lançado em 1977, Gal Costa lembrou com saudades “dezenas de ensaios (fotográficos) inesquecíveis”.
Os arquivos da Revista O Cruzeiro, que pertencem à Gerência de Documentação do Estado de Minas (Gedoc), revelam que Gal tem razão. Ali estão não só imagens, mas textos assinados por Marisa, talentosa autora de perfis e reportagens sobre Gal, Bethânia, Gil e Caetano, entre outros.
“Ela me aproximou de Glauber, Oiticica, Marcos Vasconcelos, Pingarilho. Interpretou a beleza de Bethânia em série de fotos que desafiavam a caretice do padrão de beleza feminina da época. Fez um apanhado do pensamento revolucionário de 1968, reunindo textos de toda a turma da contracultura brasileira nas páginas de O Cruzeiro”, afirmou Caetano, no Instagram.
Nos anos 1960, Marisa trabalhou na revista A Cigarra antes de chegar à redação de O Cruzeiro – ambas publicações do Diários Associados, grupo ao qual o EM pertence.
REPÓRTER
Ao abrir os arquivos de O Cruzeiro, localizar envelopes com datas e identificações, é um encantamento deparar com fotos de Marisa que precederam o início de sua carreira como jornalista.
Na primeira reportagem, de dezembro de 1967, ela assina matéria de quatro páginas com o registro do casamento de Caetano Veloso com Dedé Gadelha. Nada escapa a seu olhar.
A jornalista abre “Casamento sem gravata e sem documento” dizendo que aquele foi “o mais alegre, o mais frenético, o mais incontido e o menos convencional de quantos casamentos já se tem tido notícia neste Brasil. Caetano Veloso, de terno preto, camisa laranja e uma enorme rosa amarela de papel crepom na lapela, após a cerimônia, em que sapatos, colares, óculos, relógios e perucas foram arrancados pelo delírio dos fãs, conseguiu chegar inteiro ao hotel e desabafou: “Sensacional”. Nesta reportagem, as fotos são assinadas por Fernando Seixas.
O casamento foi realizado em 20 de novembro na igreja de São Pedro, em Salvador. Caetano se separou de Dedé em 1986. Os dois tiveram um filho, Moreno. Atualmente, o compositor está casado com Paula Lavigne, mãe de seus filhos Zeca e Tom
Gal Costa ganhou um perfil em novembro de 1969. Em “Gal Costa para quem quiser saber”, com fotos de Aldyr Tavares, ela falava, entre outras coisas, da canção “Meu nome é Gal”, que faria parte do disco homônimo lançado aquele ano.
“Um pedaço de minha vida, para quem quiser saber, está na parte falada da música 'Meu nome é Gal', que Roberto Carlos e Erasmo Carlos fizeram para meu próximo LP, a ser lançado em novembro. A música é muito bacana, negócio assim de consultório sentimental, sabe como é ?”, comentou a cantora.
Gal foi tema de outra reportagem de Marisa, quando voltou da Europa. “Depois de algum tempo lá fora, retornou. Agora, traz mais conhecimentos para aplicar em suas interpretações e pretende fazer um filme, compor e cantar. Dar o seu recado, que é o mesmo da juventude sem preconceitos e limitações.”
Em “Gal muito legal”, Marisa assinou texto e fotos. “O bronzeado da pele, garantia do sol de Ipanema, das 11 às 4 da tarde, castigando firme todos os dias religiosamente, durante o verão. A esbeltez cultivada a pulso: só uma refeição diária, sem doces, gorduras ou bebidas. O regime foi seguido à risca por Gal Costa, mesmo na temporada do Opinião, onde queimou calorias, num show incrementadíssimo.”
CORPO E ALMA
Quando abrimos pequenos envelopes e descobrimos negativos cuidadosamente guardados em papel transparente, os olhos brilham diante das imagens de Maria Bethânia. No ensaio “Bethânia de corpo e alma”, Fauzi Arap assina o texto e Marisa as fotos.
“Bethânia e Caetano foram gerados por Zezinho e Canô. Isto não explica muito, mas já é alguma coisa. É a evidência viva do mistério. Maria Bethânia é uma sereia e, se não tivermos cuidado, seu canto poderá nos levar longe demais”, escreveu o autor de “Um jeito estúpido de te amar” – o mesmo título do sucesso na voz da baiana. Nas fotos, Bethânia, no esplendor da juventude, aparece nua.
Mais lindas ainda são as fotos para um editorial de moda com textos e imagens de Marisa. “Foi Olly, cuja arte ultrapassou as fronteiras, quem acreditou no desafio. Inspirando-se no rico folclore carajá, ela pintou os tecidos e criou todos os modelos usados por Bethânia em nossa reportagem.”
A visionária repórter registrou ainda: “Se uns continuam a achá-la feia, outros afirmam que é divina. Se alguns (mulheres, na maioria) só vêem nela um ar pouco feminino, outros acham que é terrivelmente sexy. Mas para todas as afirmações – menos as mais controvertidas – existe um denominador comum: ela, no palco ou fora dele, é uma extraordinária figura.”
CLARA OUTONAL
A mineira Clara Nunes também inspirou editorial de moda assinado pela fotógrafa. Está totalmente diferente da imagem que guardamos dela, com cabelos imensos, roupas brancas, visual intimamente ligado à umbanda e à cultura afro-brasileira. Ali podemos vê-la de cabelos curtos, com roupas de inverno. Linda.
Marisa Alvarez de Lima morreu aos 87 anos, em sua casa no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, vítima de câncer de intestino.