Acuruí, distrito de Itabirito, é região carente de projetos culturais, turísticos e sociais que ofereçam aos jovens e adultos oportunidades de entretenimento. Na tentativa de suprir essa carência, Rud Carvalho está à frente do Festival das Montanhas e Águas de Minas, marcado para o período de 13 a 15 de maio.
"O que nós temos de mais rico na região é o potencial natural, com suas montanhas, cachoeiras, e o potencial cultural. Como era uma rota de tropeiros, é uma região muito rica em gastronomia, artesanato e que também remete à música de raiz, à viola caipira de raiz. Esse projeto propõe resgatar essas raízes culturais, valorizar as pessoas e seus produtos, e divulgar isso", diz o produtor.
Na programação estão confirmados o músico Renato Teixeira, a Orquestra Mineira de Viola Caipira, o Teatro dos Tropeiros, além de artistas locais. "O objetivo maior é proporcionar um sentimento de pertencimento à população local, levar o turismo e promover atividades de capacitação", garante Rud.
A programação do Festival das Montanhas começa em abril com oficinas nas escolas. Qual a importância desse tipo de ação em lugares onde não existe acesso à cultura e especialmente em momento que a cultura é vista como vilã e não aliada na formação educacional de um povo?
As oficinas e a capacitação são muito importantes, principalmente em lugares com privados de oportunidades nas áreas de cultura e educação porque ajudam a abrir novas fontes de emprego e renda. É plantar a semente em cada um, dar uma chance àqueles que não têm de aprender. Quando nós levamos a cultura do povo para fora, quando fazemos um festival que valoriza essa cultura local, isso cria um vínculo, um orgulho e aumenta a autoestima das pessoas como fator motivacional para se conceber novos projetos e sair da comodidade.
Maria Alice Martins (idealizadora do Festival Internacional de Jazz de Ouro Preto) foi vítima da COVID-19. Talvez ela, como tantas outras pessoas que morreram por causa da doença, pudessem estar vivas se a vacinação fosse mais rápida. Como você vê a forma que o governo federal encarou o primeiro ano de pandemia?
Mulher maravilhosa, percussora de diversos projetos de extrema importância para Minas Gerais, que fez tanto pela cultura de nosso estado. O governo federal encarou o primeiro ano de pandemia com extremo despreparo, o que contribuiu para a desinformação da população. Acho que foi dada pouca importância às medidas, principalmente à vacina, e poderiam ter feito muito melhor. Esse despreparo do governo não se mostra apenas nessa ação, se mostrou claramente em várias áreas, principalmente com ênfase na cultura, que acabou sendo sucateada pelas novas diretrizes deste governo. Toda essa instabilidade que sofremos este ano, essa mesma postura se refletiu ao lidar com a pandemia. Trataram de forma menos importante do que deveria ter de atenção e isso contribuiu com a desinformação e o despreparo da população e do governo para lidar com essa doença.
Ao longo de mais de 10 anos de convivência profissional, o que chamou sua atenção em Maria Alice?
Desde os meus 16 anos de idade trabalhei ao lado da Maria Alice, ela me inseriu nos projetos que existiam à época. Iniciei com funções básicas de produção, desde panfletagem, ajuda para realização de camarim, ajuda para oficinas. Junto com ela fui aprendendo, crescendo, observando a logística dos projetos, depois passei para o financeiro, comunicação, o que me ensinou muito sobre todas as vertentes e áreas dentro de um projeto. Ela como uma líder, uma mentora, além de uma tia e madrinha, tinha características únicas que a fizeram pioneira e tão importante e relevante na cultura do estado. Ela tinha uma genialidade musical e uma sensibilidade social sempre à frente do tempo. Com isso conseguiu criar diversos projetos pioneiros em Tiradentes, Ouro Preto, Mariana. Temos projetos de jazz, de pontos de cultura, de teatro, de ONGs, de revitalizações de igrejas. Ela conseguiu agir em diversas áreas esempre tendo à frente um trabalho de exímia perfeição, ela era extremamente exigente. Acho que com esse pioneirismo, com essas iniciativas, ela conseguiu contribuir de forma inigualável para a cultura e para turismo do estado. A maior característica dela era primar pela perfeição pela qualidade e pela acessibilidade em tudo o que ela fazia tendo sempre uma visão de um objetivo grandioso, que não atendesse apenas ao evento, mas sim à região, à população e aos turistas.
O Festival Internacional de Jazz de Ouro Preto é um dos mais importantes do gênero no país. O que mais marcou você nesse projeto?
O Festival Internacional de Jazz de Ouro Preto foi primeiro de Minas Gerais. Hoje existem mais de 30 festivais. Ele trouxe para o estado a tradição nesse gênero musical, uma relevância dentro desse gênero musical para Minas, trazendo turismo de qualidade, em especial para a região de Ouro Preto. Sem dúvida, o que mais me marcou dentro desse projeto durante todos esses anos que trabalhei com a Maria Alice foi o tributo a Billie Holiday. Esse projeto ela criou um tributo da cabeça dela, selecionou cada músico que participaria. Então, convidou a Mart'nália, Madeleine Peyroux e diversos outros músicos que de cada instrumento que estaria compondo essa banda todos essas pessoas foram para Ouro Preto, ensaiaram uma semana antes e conseguiram realizar um show maravilhoso, que passou comoção para o público, emoção, lágrimas. E eu achei de extrema genialidade ela conseguir enxergar esses músicos separadamente e como seria esse espetáculo unido em um só. Teve tanto sucesso que a Madeleine, que faz apresentações de jazz no mundo inteiro, comentou comigo que achou impressionante a reação do público. Isso marcou muito as possibilidades dentro de um projeto cultural. Sem dúvida, dentro do projeto Tudo é Jazz foi o que mais me marcou.
Este ano o festival completa 20 anos. Como você pretende comemorar a data?
Vamos comemorar com curadoria do Túlio Mourão, indicado pela Maria Alice como seu sucessor na curadoria, antes dela ser entubada em função da COVID e ela já tinha deixado para nós uma direção que seria um tributo a Frank Sinatra. De 4 a 7 de agosto, o projeto acontecerá em Ouro Preto. Coincidentemente, vai acontecer no fim de semana de 5 de agosto, aniversário da Maria Alice. Então, além desse tributo a Frank Sinatra, faremos também, no dia 5, um tributo à Maria Alice, com Madeleine Peyroux. Conseguimos ainda junto a patrocinadores e apoiadores a possibilidade de levar o festival não só para Ouro Preto este ano, mas também para outras cidades: BH, Congonhas, Catas Altas, Ouro Branco, Moeda e Miguel Burnier. Essa é a programação para comemorar os 20 anos do evento.
Quais os desafios que os produtores têm pela frente em um mundo quase livre da pandemia?
O maior desafio na retomada dos projetos é reestruturar locais onde aconteciam os trabalhos sociais e culturais. Durante a pandemia, muitos locais fecharam as portas, muitas ferramentas culturais de extrema importância. Acho que essa retomada está vindo com tudo, vão ser vários projetos acontecendo simultaneamente. Com certeza não vamos resgatar tudo aquilo que foi perdido em termos de continuidade, mas creio que cada produtor a seu modo está conseguindo voltar a seu modo com muito sucesso e com uma grande demanda. Acho que isso vem acompanhado do interesse dos patrocinadores, com a abertura de novos editais e o maior interesse em projetos socioculturais de lastro.