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Estado de Minas TERCEIRO SINAL

Peça 'A morte de DJ em Paris' continua atual, 22 anos depois de sua estreia

Luiz Arthur, que encenou monólogo de Roberto Drummond dirigido por Walmir José, diz que o texto 'merece públicos que entendam a real tradução de suas intenções'


15/04/2022 04:00 - atualizado 15/04/2022 07:38

O ator Luiz Arthur, de braços abertos, em cena da peça A morte de DJ em Paris
O ator Luiz Arthur levou para o palco o solitário protagonista do livro de Roberto Drummond (foto: Lívio Soares de Medeiros/divulgação)
 

INCOMODAMENTE ATUAL

Luiz Arthur

Desde que me entendo por gente, os temas liberdade e morte pairam sobre o meu imaginário. O artista que sou começou a se descobrir assim por meio das novelas, ainda em preto e branco. Lembro-me de como ficava atiçado ao ver na ficção personagens se deparando de alguma forma com o inevitável ou com o direito inalienável de ir e vir.
 
Assisti à novela “Saramandaia”, versão da década de 70. Obviamente, como criança que era, não entendia a metáfora do cerceamento da liberdade e afronta à censura da criação de Dias Gomes, mas fiquei embevecido quando o protagonista João Gibão mostrou suas asas para voar até o infinito.
Quando pude, finalmente, escolher as histórias que queria contar, essa pulsão encontrou reciprocidade em encontros que só o teatro é capaz de realizar. O solo “A morte de DJ em Paris” foi por 18 anos meu grito subversivo a tiracolo. Estreou em 1999, sob a direção do meu mestre Walmir José, com o seu autor, o saudoso amigo Roberto Drummond, sentado na primeira fila.
 
Libelo contra a ditadura militar no Brasil, conta a história de “dejota”, que, pelo amor de Deus, nunca foi “dee jay” em Paris, ao contrário de como, erroneamente, assim foi mencionado inúmeras vezes em notas na imprensa.
 
DJ é um professor de francês. Oscila entre a realidade e a ficção ao criar uma Paris imaginária no sótão de sua casa. De lá, passa a ter voz, coisa que nunca teve em sua vida marcada por uma submissão forçada, clara alusão ao hediondo período conhecido como “anos de chumbo”.
Outro mentor que tive, o inesquecível Marcello Castilho Avellar soltou uma crítica, aqui no EM, em janeiro de 2000, referindo-se ao texto do espetáculo como “incomodamente atual”. Hoje, 22 anos depois, o incômodo permanece no livro homônimo e, certamente, a peça causaria o desconforto certeiro se ainda em cartaz estivesse.
 
Quando montei a peça, fui atraído pela possibilidade de usá-la como vigília de uma liberdade conquistada a duras penas por gerações que me antecederam. Jamais imaginei, nem minimamente, que viveríamos o horror também nos dias atuais. O genocídio retumba diariamente e dolorosamente em mentes conscientes da barbárie. Ter conhecimento é estar predestinado à resistência, no exílio, como “dejota”, ou no front, como Hamlet, ciente de que “a reflexão faz de todos nós covardes”. Nós, artistas, historicamente maltratados e beligerantes, seguimos assim.
 
A geração que antes recebia cartas subversivas de DJ hoje receberia WhatsApp. E vírus. Toda uma geração bombardeada por informações pueris e vãs. Por fake news e Tik Tok. Hoje, o “DJ” que há em mim precisaria do “Homem-Bomba”, um novo solo com a poesia contemporânea de Cynthia Paulino. Precisaria do símbolo que o cutelo na mão representa. Um cientista-açougueiro que disseca-traduz os vários genocídios para todos os seus ouvintes: o das pessoas, o dos animais, o das ideias. O cutelo é o choque de realidade de que a fantasia que há em mim precisava para despertar o público atual.
 
“A morte (libertária) de DJ em Paris” é literatura maior, atemporal. Uma obra-prima necessária para os dias vigentes, mas que merece – no livro ou nos palcos – públicos que entendam a profundidade de suas imagens e a real tradução de suas intenções.
 
ÀS SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SEÇÃO “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PEÇAS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REAÇÃO DO PÚBLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS. 

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