Fotógrafo com 35 anos de carreira, Guto Muniz divide o balanço de sua trajetória em dois pesos. Pelo ponto de vista financeiro, ele acha que talvez o mais correto fosse falar que esse balanço se encontra no vermelho.
"Dedicar-se de corpo e alma à fotografia de cena significa optar por todas as intempéries financeiras que regem o mercado das artes cênicas. Falta de recursos e do reconhecimento de seu valor por grande parte da sociedade e dos governantes, entre muitas outras questões", observa.
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Guto Muniz começou a fotografar espetáculos aos 21 anos. De lá pra cá, acumulou experiência, um conhecimento muito maior das artes cênicas e do poder da fotografia como forma de linguagem.
"A bagagem cultural cresceu a cada dia e o fascínio nunca diminuiu, porque cada espetáculo é único. Um novo desafio, uma nova proposta e um prazer enorme em me tornar um guardião das imagens de mais uma história."
O acervo com imagens referentes a 2 mil espetáculos montados entre 1987 e 2000 está disponível no site www.focoincena.com.br.
De “Antígona”, da Cia Sonho e Drama, o primeiro espetáculo que você registrou, no Teatro Francisco Nunes, em 1987, até hoje, muita coisa mudou também na produção teatral em Minas. Como você avalia esses mais de 30 anos de teatro mineiro?
Comecei a fotografar em uma década marcada pelo surgimento de grandes grupos, como o Galpão e o Primeiro Ato (de dança), período também marcado pelo fim da ditadura militar, da censura e de uma grande efervescência cultural. No início dos anos 90, começaram a ser promulgadas as leis de incentivo à cultura nas esferas federal, estadual e municipal. Com elas surgiram também diversos festivais em BH: o Festim, FAN, FIT, Festival Internacional de Teatro de Bonecos, Festival Mundial de Circo, Encontro Mundial das Artes Cênicas, entre outros. Eles propiciaram maior intercâmbio dos artistas locais com diversas produções nacionais e internacionais. O interesse pelas artes cênicas aumentou, bem como os cursos oferecidos. Algumas companhias se consolidaram e muitas outras surgiram. Vejo a produção cênica mineira muito respeitada em todo o país. São muitos os grupos e artistas mineiros respeitados e destacados no cenário nacional. Mas o caminho continua muito difícil, pois a cultura é sempre uma das áreas que mais sofrem os impactos políticos e econômicos, por ser encarada na maioria das vezes como puro entretenimento, e não como essencial ao desenvolvimento da sociedade.
Uma encenação teatral é cheia de detalhes. Como você faz para não perder uma cena que pode resultar na grande foto? Vai mais de uma vez a um espetáculo para ver como ele funciona, acompanha ensaios ou prefere o impacto da surpresa da estreia?
O segredo é estar concentrado no espetáculo, assistindo-o. A armadilha é se preocupar demais com a técnica, buscando a melhor imagem, mas desligando-se do que está acontecendo em cena. Se você vai por esse caminho, pode ter belas imagens, mas sem a energia que o espetáculo carrega. Não adianta querer ter fotos de tudo. É importante você ter as fotos daquilo que o motiva, que mexe com você de alguma forma.
Por falar em grandes fotos, quais são aquelas que mais marcaram sua trajetória profissional e que têm um grande valor afetivo para você?
1. Placa “Hoje, Romeu e Julieta”. Tenho belas fotos do espetáculo do Grupo Galpão, algumas muito conhecidas. Mas sou apaixonado pela foto de uma placa pintada a tinta, colocada na frente da igreja do distrito de Morro Vermelho, em Caeté, anunciando a pré-estreia da montagem, que marcou a história de nosso teatro no local que abrigou grande parte de seus ensaios. A foto me diz muito da poesia e da simplicidade da arte feita para o povo.
2. Paulo Lisboa em “Josefina, a cantora”. Sem talvez nunca ter sabido disso, Paulo foi um dos principais responsáveis por eu ter me dedicado à fotografia de espetáculos. Ele estava em cena e “Antígona” e sua atuação me impressionou a ponto de ser um dos principais motivos de eu ter voltado ao teatro no dia seguinte e pedido para fotografar aquele que foi meu primeiro registro de um espetáculo. E foi em “Josefina” que meu trabalho começou a ganhar reconhecimento. Paulão nos deixou cedo, mas ter acompanhado vários de seus trabalhos é motivo de muito orgulho.
3. “Paraíso perdido”, na Igreja do Carmo. Em 2004, o Teatro da Vertigem (SP) trouxe ao FIT e a BH sua trilogia bíblica formada pelos espetáculos “Paraíso perdido”, “O livro de Jó” e “Apocalipse 1:11”. “Paraíso perdido” foi apresentado no interior da Igreja do Carmo, o que para muitos da sociedade certamente foi visto como um grande absurdo, eu senti como um encontro de “sagrados”: a fé cristã e o teatro. Uma atmosfera de respeito, única e indescritível em palavras.
Hoje, com o avanço da tecnologia dos celulares, todo mundo se acha fotógrafo e sai clicando tudo à frente: de pratos de comida a shows. A relação do ser humano com o gadget extrapolou o bom senso ou o celular, assim como uma boa câmera fotográfica, tem o seu lugar?
Com certeza, o celular tem seu lugar. Ser fotógrafo vai muito além de fazer uma foto, mas o celular colocou, sim, a fotografia ao alcance de todos. É claro que existe um número imenso de imagens produzidas que não dizem nada ou muito pouco. Mas há belíssimos trabalhos feitos com celular. Negar a importância do celular é quase como negar a alguém um lápis para que ele possa escrever e oferecê-lo apenas aos reconhecidos escritores. Como na escrita, o que precisamos é propiciar ao maior número possível de pessoas o estudo da imagem, para que compreendam sua força e seus perigos. Uma fotografia mal utilizada pode causar muitos estragos. Uma palavra também!