Jornal Estado de Minas

TERCEIRO SINAL

'A noite dos assassinos', marco dos palcos de BH nos anos 70, ainda é atual

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GRITO DE LIBERDADE

 
Maria Olívia*
Atriz

Minha vida sempre foi marcada pelo acaso. Nasci em Paracatu, sou de família que se dividia entre o agronegócio e o direito. Na década de 1960, de tanto ouvir sobre advocacia, decidi fazer aquilo também. Mas quando cheguei à Universidade Federal de Minas Gerais para me inscrever, fui atraída por um panfleto sobre inscrições para o curso de teatro. Não tinha a menor ideia do que seria aquilo, mas resolvi ver o que era.





Fui à sala indicada, me informei, e quando me despedia das pessoas dizendo que faria vestibular para direito, João Etienne Filho disse que não, que meu caminho seria o teatro.

A partir desse encontro, aquelas pessoas do Teatro Universitário (TU) me receberam com muito carinho. Ronaldo Brandão foi o maior incentivador da minha carreira. Como toda a minha família morava no Norte de Minas, eles me acolheram. Todos foram muito importantes para a minha formação. Quando estava em cena, ficavam mais emocionados do que eu. Fui criada por eles.

Nunca planejei ser atriz, mas me dediquei muito ao ofício. Tanto que fiz um papel memorável na montagem de “As três irmãs”, de Tchékhov, com direção de Haydée Bittencourt, no TU. Por causa daquela atuação, fui convidada pela produtora Matilde Biadi para integrar o elenco de “A noite dos assassinos”, do cubano José Triana, com direção de Paulo César Bicalho. No elenco estavam Matilde e Orlando Pacheco. Eu tinha 20 e poucos anos.




Os atores Maria Olívia, Orlando Pacheco e Matilde Biadi na peça "A noite dos assassinos" (foto: Acervo pessoal)

A peça não tratava apenas do conflito entre pais e filhos. Falava da busca por liberdade, anseio eterno da humanidade. Paulo César Bicalho foi diretor carinhoso com todos nós do elenco, mas muito sério e exigente. Os ensaios eram verdadeira catarse. Cada ator representava vários papéis, a começar dos próprios pais. No final, a irmã caçula, meu papel, de peito nu, grita ao mundo por liberdade.

“A noite dos assassinos” foi um marco do teatro nos anos 1970, tempos de censura e ditadura militar.

Nunca fui uma pessoa medrosa. Mas quando li o script, vi que a cena seria difícil. Sou de família tradicional, mas meu pai não era moralista e não criou problema. Minha preocupação era a qualidade do meu trabalho. Tirar a roupa não seria problema, desde que a cena fosse feita com muita qualidade, como realmente ocorreu.

Lembro-me do que o jornalista Fernando Telles escreveu no Estado de Minas: “Na estreia de 'A noite dos assassinos', Maria Olivia mostra que os fins justificam os seios”.

Durante toda a temporada, a plateia ficava em silêncio no momento em que eu rasgava a blusa. Hoje, nudez em cena não chama tanto a atenção, mas a gente não deve se calar sobre a defesa da liberdade e o combate à repressão. Nesse sentido, “A noite dos assassinos” é uma peça atual.

* Depoimento a Helvécio Carlos

>> ÀS SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SEÇÃO “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PEÇAS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960/1990 E COMO SERIA A REAÇÃO DO PÚBLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.