Na programação musical da feira Modernos Eternos, que terminou ontem (10/7), a apresentação da cantora Jess foi uma das mais animadas, tanto pelo repertório quanto pela performance da artista. "Sempre amei cantar. Sinto um prazer enorme quando estou fazendo um show", afirma ela, que começou no mundo da música ainda criança. "Canto profissionalmente desde os 14 anos, quando me apresentei pela primeira vez no Café Cancun (casa de shows que funcionava na Savassi)", recorda, garantindo que de lá para cá nunca parou de fazer shows.
Depois que se formou na faculdade de música, Jess decidiu dedicar mais à performance e produção dos shows. "Sou uma artista pop com influências de soul, blues, jazz, música brasileira e antes, como Jéssica Lima (seu primeiro nome artístico), me sentia um pouco perdida em meio a todas essas influências, sem saber como colocar meu estilo pessoal nas minhas apresentações. Após analisar com calma esses pontos, ganhei confiança para fazer essas mudanças e me relançar novamente no mercado. Montei uma banda e dei um 'start' nessa nova etapa", afirma ela, que hoje é conhecida por Jess.
Você é de uma geração de músicos que contou com a variedade de casas noturnas na cidade, como o Café Cancun, na Savassi, e o Hard Rock Cafe. Hoje, as coisas estão bem diferentes se comparadas aos anos 1990 e 2000, por exemplo. Acredito que a falta de casas seja uma dificuldade.
Tive a oportunidade de cantar nestas duas casas, inclusive. De fato, ter poucas opções dificulta a constância de shows. Além disso, outra dificuldade que enfrentamos é a resistência que existe de algumas casas em fazerem novas contratações. Acho o mercado belo-horizontino fechado e difícil de entrar. Em algumas situações, não basta ter um show estruturado e bem produzido. Você precisa trabalhar também a sua imagem pessoal, socializando nos ambientes em que a cena musical é fomentada.
A pandemia dificultou o mercado. Como você passou o ano mais dramático dessa crise e como está sendo o retorno?
Foi um momento caótico, que envolveu dificuldades financeiras e emocionais. Artistas, produtores de eventos e autônomos em geral ficaram impossibilitados de trabalhar. Quando a pandemia começou em 2020, já tinha 15 anos de carreira como cantora profissional. Durante o tempo de reclusão, percebi que nunca havia ficado um período tão grande longe do palco, dos shows e do trabalho com a música. Durante toda a quarentena, o mais difícil foi lidar com a frustração, a vulnerabilidade e a ansiedade para se reinventar de alguma forma. Financeiramente, mais do que nunca, percebi o quanto é fundamental ter controle de gastos e uma reserva, e hoje dou mais atenção para o controle financeiro. Apesar de todas essas dificuldades, acho que o momento também trouxe oportunidade de crescimento pessoal. Fui obrigada a sair da zona de conforto e mudar meu mindset profissional. Aproveitei o período para estudar e trabalhar com coisas que antes não encontrava tempo. Fui explorar outras habilidades que tenho e isso me abriu novas portas profissionais. Trabalhei com gestão de pessoas, fiz cursos na área de customer experience e copywriting, áreas na qual atuo até hoje, inclusive, prestando serviço para algumas empresas. Trabalhei como produtora e organizadora de eventos em São Paulo e Belo Horizonte, e comecei a atuar como produtora musical e gestora de carreira também. O retorno aos shows tem sido bem positivo e percebi uma demanda reprimida em relação aos eventos, o que tem sido bom para nós, artistas e produtores.
Quem são suas apostas como promessas da cena musical?
Belo Horizonte tem uma cena cultural e artística crescente e incrível. Temos muitos artistas, contemporâneos e outros já experientes, que estão produzindo música e arte continuamente. Preciso citar, inclusive, um movimento que está acontecendo em BH e crescendo exponencialmente, que é o Sarau Tranquilo, abrindo espaço para os artistas apresentarem suas composições a um público atento e receptivo. É um evento aberto e que possibilita, toda semana, a descoberta de novos nomes da cena musical, além dos já consagrados. Lá, conheci artistas incríveis, que estão crescendo cada dia mais, como Ge Paige, Maíra Baldaia, Nath Rodrigues, Ao Coral e muitos outros. Também vi artistas que já possuem um trabalho consolidado, como Pedro Morais, Maurício Tizumba e Wilson Sideral, que são amigos de jornada musical que continuam produzindo, lançando música e engrandecendo nosso mercado fonográfico. Como aposta, posso citar o Saulo Soul, um cantor e compositor que chamou minha atenção nos últimos tempos. O Saulo tem uma voz marcante e um posicionamento de imagem forte. Ele é de Formiga, onde o conheci, e possui muitos prêmios como intérprete e compositor.
No caso de músicos que têm uma carreira bem firme, quais as dificuldades que eles têm para se manter (levando em consideração não só a pandemia)...
Música exige investimento e, muitas vezes, isso atrasa o processo de produção do trabalho. O mercado hoje exige movimento, dinamismo e novidades. Você precisa entender de marketing, de produção visual, de moda, de estratégias para lançar um produto. Precisa estar atento a tendências, além de ter que gerenciar sua carreira como uma empresa, lidar com a gestão financeira, burocracias fiscais e gestão de pessoas. Os custos passam por equipamentos de qualidade, investimento em gravações de singles e clipes, ensaios, consultoria de imagem e aquisição de peças específicas para os shows, condizentes com a sua identidade visual, tratamentos preventivos com fonoaudiólogos, fisioterapeutas e investimento nas redes sociais e publicidade em geral. Além de ser caro, é difícil se capacitar em tudo ou encontrar estratégias para fazer a engrenagem girar mesmo sem os recursos necessários.
Você começou muito cedo na música. Como isso se refletiu na sua formação?
Sempre quis ser artista e fui privilegiada por ter apoio e incentivo dos meus pais, além do suporte para estudar. Infelizmente, nem todos têm essa oportunidade e acredito que não exista um caminho certo. Tive contato com a música desde muito cedo e isso me possibilitou desenvolver várias habilidades ao longo dos anos e vivenciar inúmeras experiências artísticas desde muito nova. Além de reforçar minha certeza pela escolha dessa carreira. Na minha formação, isso foi extremamente positivo. Precisamos nos adaptar às oportunidades que aparecem. O importante é não se prender a rótulos e, independentemente da idade, fazer o que se identifica. Claro, que se houver a possibilidade de começar cedo, não só na música, mas em outras áreas também, o acúmulo de experiências será maior, você irá conhecer mais pessoas vinculadas à sua área e poderá atuar com o que gosta mais rapidamente.