Por baixo das ruas centrais da cidade, rios seguem seu percurso escondidos pelo asfalto. Trabalho de pesquisa da artista Isabela Prado mapeou por onde estão. Agora, o projeto ganha o livro “Sobre o rio”, que registra também o histórico da artista e professora da Escola de Belas Artes da UFMG.
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A artista reconhece que a publicação do livro, por sua vez, "representa a possibilidade de fomentar a discussão dos temas trazidos pelo trabalho e ampliar seu alcance para um número maior de pessoas, em Belo Horizonte, em outras cidades, ou até outros países, já que a edição do livro é bilingue".
A artista reconhece que a publicação do livro, por sua vez, "representa a possibilidade de fomentar a discussão dos temas trazidos pelo trabalho e ampliar seu alcance para um número maior de pessoas, em Belo Horizonte, em outras cidades, ou até outros países, já que a edição do livro é bilingue".
O próximo passo, segundo Isabela, é buscar o reconhecimento de “Sobre o rio” como um monumento da cidade, para garantir a manutenção das placas ao longo do tempo. "Ao mesmo tempo, buscar sua ampliação para outros bairros e cidades. Além disso, é importante neste momento disseminar ao máximo a publicação, por isso estou fazendo doações para instituições culturais, bibliotecas públicas, escolas, de modo a trazer essa discussão para um público mais amplo".
De 2006, quando parte do curso do Ribeirão Arrudas foi coberto e você começou a pesquisa Entre Rios e Ruas, até o lançamento do livro “Sobre o rio”, como você vê a relação da cidade com seus rios, o que mudou nesse período? O poder público está mais ou menos preocupado do que há 16 anos? O cidadão já enxerga os rios que cortam a cidade ou ainda acredita que a água surgiu por milagre? Por quê?
O reconhecimento da importância dos rios urbanos é um movimento internacional, que vem se fortalecendo nos últimos anos. Então, hoje, existe uma consciência muito maior, tanto por parte da população como do poder público, sobre a existência desses cursos d’água e a necessidade de cuidarmos deles.
No caso de BH, as fortes enchentes de 2020 colocaram esse tema ainda mais em evidência. Mas ainda temos um longo caminho pela frente em termos de políticas públicas sobre a preservação e o cuidado com as águas na cidade.
No caso de BH, as fortes enchentes de 2020 colocaram esse tema ainda mais em evidência. Mas ainda temos um longo caminho pela frente em termos de políticas públicas sobre a preservação e o cuidado com as águas na cidade.
Durante a implantação das 230 placas, qual o trecho foi mais importante para você e qual tem importância na história de Belo Horizonte?
Neste primeiro momento, a sinalização dos córregos ficou restrita ao perímetro da Av. do Contorno, porque eu tinha limitações orçamentárias para o projeto. Assim, a decisão de onde instalar as placas se guiou justamente pela importância dessa região, que foi o núcleo do planejamento original da cidade.
Mas não identifico algum trecho como mais importante nesse trabalho. Na verdade, o que me encanta é reconhecer que os córregos correm por toda a cidade, indiscriminadamente. Atravessam áreas muito diversas, em termos de urbanização, desde bairros considerados “nobres” até o Hipercentro de BH.
Olhando sua trajetória, é fácil perceber que a água é fonte de inspiração. Foi assim em “Repaisagem” (2010), “Lição: se essa rua fosse um rio” (2011-2016) e “Sobre o rio” (2018-2021). O que faz da água inspiração para seu fazer artístico? É forma de denúncia pelo mal uso da água, um registro histórico, ou só uma fonte de inspiração?
Tenho um interesse não apenas pelas águas, mas pelos recursos naturais de forma geral. Entendo que o ser humano é parte da natureza e que nossa sobrevivência enquanto espécie depende da nossa capacidade de estabelecer uma relação mais harmônica com o meio ambiente.
Penso meus trabalhos como ações que apontam para as relações sociais, acredito que tenham a ver com a paisagem, com a cidade, mas também com as disputas territoriais, a capacidade ou não de conviver, de aceitar as diferenças, de compartilhar, questões que configuram nosso contexto e modo de vida.
Penso meus trabalhos como ações que apontam para as relações sociais, acredito que tenham a ver com a paisagem, com a cidade, mas também com as disputas territoriais, a capacidade ou não de conviver, de aceitar as diferenças, de compartilhar, questões que configuram nosso contexto e modo de vida.
O poder público e o cidadão são responsáveis pelo agravamento da crise hídrica, que é uma realidade. Você é otimista e acredita que as coisas podem melhorar? Na sua avaliação, o que deve ser feito para garantir água a todos?
Meus trabalhos partem da ideia de que a conscientização é o primeiro passo. Ninguém pensa em cuidar de algo que não sabe que existe. Daí a importância de “revelar” nossos córregos canalizados, de saber que caminhamos sobre um corpo d’água na cidade. Assim, isso passa a fazer parte de nossas preocupações enquanto sociedade e chega por fim às políticas públicas.
Daí precisamos falar de preservação das nascentes, de restrições às áreas de mineração, de impermeabilização do solo na cidade, de coleta de lixo, de garantir rede de água e esgoto a todos, e assim por diante.
Daí precisamos falar de preservação das nascentes, de restrições às áreas de mineração, de impermeabilização do solo na cidade, de coleta de lixo, de garantir rede de água e esgoto a todos, e assim por diante.
Entre Rios e Ruas está focado apenas na capital. De alguma forma, tendo rios como premissa, você pensa em ampliar este trabalho para a Região Metropolitana ou para o estado?
Como eu disse, a instalação das placas de “Sobre o rio” foi limitada por uma questão puramente orçamentária. Sempre esteve no meu horizonte o desejo de que o trabalho pudesse ser ampliado para toda BH, para a região metropolitana e para outras cidades, pois o cenário de canalização e “apagamento” dos córregos se repete em outros locais.
Para isso, seria necessário estabelecer parcerias com empresas ou instituições que pudessem financiar essa expansão, por meio de leis de incentivo à cultura ou outras formas de apoio.
Para isso, seria necessário estabelecer parcerias com empresas ou instituições que pudessem financiar essa expansão, por meio de leis de incentivo à cultura ou outras formas de apoio.
Para você, qual a emoção na série de fotos “Futuro do pretérito”?
“Futuro do pretérito” é uma série elaborada a partir do diálogo entre fotografias antigas e atuais de Belo Horizonte. As imagens antigas foram realizadas nas décadas de 1920 e 1960 e mostram momentos distintos de canalização dos córregos presentes no município.
As imagens atuais procuram replicar de forma aproximada a localização e o ponto de vista das antigas, de modo a explicitar as alterações na paisagem da cidade relacionadas ao apagamento de seus cursos d’água.
Esse trabalho busca uma memória da cidade, fala sobre o que ela já foi e o que ela se tornou, a partir daquilo que em algum momento representava um pensamento de “modernidade”, de “futuro”. Isso nos permite também refletir sobre qual futuro podemos construir daqui em diante.
As imagens atuais procuram replicar de forma aproximada a localização e o ponto de vista das antigas, de modo a explicitar as alterações na paisagem da cidade relacionadas ao apagamento de seus cursos d’água.
Esse trabalho busca uma memória da cidade, fala sobre o que ela já foi e o que ela se tornou, a partir daquilo que em algum momento representava um pensamento de “modernidade”, de “futuro”. Isso nos permite também refletir sobre qual futuro podemos construir daqui em diante.