"Minas é fundamental para a compreensão do sistema de arte brasileiro"
Cento e trinta e cinco obras de diversos artistas brasileiros podem ser admiradas pelo público na exposição "A afirmação modernista: A paisagem e o popular na Coleção Banerj", que está em cartaz nas galerias da Fundação Clóvis Salgado, em parceria com a Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj). São pinturas, desenhos e gravuras de nomes referenciais da arte, como Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Anita Malfatti, Alfredo Volpi, Lasar Segall, Di Cavalcanti, Emeric Marcier, Cícero Dias, Iberê Camargo, Fayga Ostrower, Burle Marx, Alberto da Veiga Guignard.
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Sem dúvida, é promover a difusão, apresentando as obras ao público, valorizando seu potencial pedagógico e viabilizando a prática do olhar, obtendo assim o sentido simbólico de uma coleção pública de arte. Inicialmente, essa coleção foi formada e exibida no âmbito do extinto Banco do Estado da Guanabara, depois denominado Banerj, em sua sede, agências e na galeria de arte, que também contribuiu para ampliar o acervo. A partir de 1998, ao ser musealizada sob a gestão da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), parte de suas obras foram exibidas ocasionalmente nos próprios espaços da instituição e por empréstimos para exposições externas. Ao assumir a coordenação de museus, há cerca de três anos, percebemos o potencial dessa coleção e seu protagonismo para um importante diálogo com o público por meio de uma exposição em itinerância. O ensejo do centenário da Semana de Arte Moderna definiu o tema do projeto, que desde sua fase inicial de organização ficou definido que seria exibida no Rio de Janeiro e circularia pelas principais capitais brasileiras, a partir de Belo Horizonte. Além disso, é o maior quantitativo de obras reunidas da coleção exibida em um único espaço e trazendo a oportunidade conhecer obras comissionadas de grande representatividade, como os painéis de Di Cavalcanti, Cícero Dias, Carybé, Bianco e de Emeric Marcier, que foi pintado em seu ateliê, em Barbacena.
A exposição reúne, entre tantas obras, trabalhos de artistas mineiros. Qual a importância dos mineiros no modernismo?
Minas Gerais é fundamental para a compreensão do sistema de arte brasileiro por suas contribuições, desde o período colonial, incluindo ações para a afirmação do modernismo e que contribuíram para a atuação de novos artistas e linguagens estéticas. Devemos lembrar de Zina Aita, a belo-horizontina que realizou precursora exposição em sua cidade natal e, dois anos depois, participou da Semana de Arte Moderna de 1922 com outras duas mulheres, Anita Malfatti e Regina Graz. São muitas as referências históricas do processo de consolidação do movimento, como a Caravana Modernista, liderada por Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral com o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, que, em abril de 1924, percorreu as cidades históricas mineiras, quando conheceu seus artistas e suas produções, desde Aleijadinho, seu patrimônio barroco e suas celebrações. Foi a oportunidade de apresentar o país, resultando no redescobrimento deles, modernistas, como brasileiros. Naquela época, a capital mineira já pulsava com os jovens intelectuais em seus cafés, dos quais podemos destacar o escritor Pedro Nava, que ilustrou “Macunaíma”, e o poeta Carlos Drummond de Andrade, que defendia a renovação. E desses encontros nasceram importantes revistas, como A Revista, em Belo Horizonte, e a Revista Verde, em Cataguases. Muitos outros atores culturais mineiros influenciaram as políticas culturais e de preservação brasileiras, a exemplo de Gustavo Capanema. Foi a partir da capital mineira que Niemeyer conquistou notoriedade e reconhecimento internacional depois de projetar a Casa do Baile, o Iate Tênis Clube, a Igreja São Francisco e o Cassino da Pampulha. Contudo, apesar desses resultados na literatura e na arquitetura, nas artes visuais o Modernismo enfrentou entraves e tardou sua consolidação. Na década de 1940, dois fatos demonstram as resistências enfrentadas, como o ataque à pintura “Galo”, de Portinari, e a intenção de fechar a Escola Guignard.
Ainda falando dos mineiros, quem são, na sua avaliação, os destaques desta exposição no Palácio das Artes e por quê?
Das 135 obras da exposição, 31 são de artistas mineiros de nascimento e por atuação, além de outras que têm vínculos familiares em Minas Gerais, como Dora Basílio e Eugênio Sigaud. Mas, sem dúvida, devemos destacar Guignard, nascido em Nova Friburgo, mas que se destacou a partir de sua trajetória mineira, com uma expressiva produção, além de ter formado e influenciado uma geração e legado uma escola com seu nome. Reconhecendo sua importância, a ele se dedicou um dos núcleos da exposição reunindo 11 obras, entre pinturas e desenhos.
Belo Horizonte está com exposições importantes tanto em espaços públicos quanto privados. Como o senhor vê esse movimento na agenda cultural de BH e o que falta na capital mineira em relação às artes plásticas para que ela se nivele com Rio de Janeiro e São Paulo? Por quê?
Belo Horizonte faz, produz e exporta cultura de forma destacada, seja na dança, seja nas artes visuais, seja no campo de museus. Não considero que fique nada a dever em conteúdo e qualidade, mas considero que é preciso ser mais “agressivo” na divulgação e nas ações de circulação, muito além de suas montanhas. Para isso, é preciso sensibilidade e investimento para divulgar o estado e suas cidades para ampliar esse reconhecimento de sua potencialidade e dos talentos dos mineiros.
Qual o desafio (ou os desafios) para que as iniciativas privada e pública criem e mantenham acervos importantes como a Coleção Banerj?
Formar coleções públicas deve ser prioritário nas ações culturais dos governos para que possamos oferecer possibilidades de compreensão dos diversos tempos e linguagens, desde que com critérios abrangentes e transparentes. Sabemos que não é tarefa fácil a gestão de coleções públicas de arte, pois exigem espaços adequados, pessoal especializado e equipamentos, proporcionando ações de conservação e restauro. Mas o fundamental é que as coleções de arte estejam acessíveis ao público. A anunciada recriação do Ministério da Cultura, com a retomada de suas ações e programas, é talvez das iniciativas que o novo governo poderá obter resultados imediatos e de grande repercussão. Sua recriação poderá aproveitar toda a engenharia estrutural de quando foi recriado, no governo Itamar Franco. Nesse sentido, é importante fortalecer as instituições vinculadas, fortalecer e aperfeiçoar as políticas de fomento. Afinal, muito além do simbólico e da diversidade, a cultura associada à economia criativa tem um papel importante no PIB, o que pode ser significativamente ampliado nos próximos anos. A pandemia demonstrou como a cultura foi importante para superarmos o isolamento e fortalecer nossas esperanças.