Até mesmo com a presença da estranhíssima “tankar”, gíria de gamers segundo o músico Luis Couto, acreditem: “top” não escapa da lista das palavras mais chatas do ano. Para Luis, “tankar” é a pior de todas, disparado. “Ridícula esteticamente”, observa, explicando que é usada para expressar que a pessoa não aguenta algo. “Não tanko tal coisa”...
Na troca de mensagens com os jurados do concurso, que chega à oitava edição, o presidente da Belotur, Gilberto Castro, diz que nada pode ser mais chato que “top”. “Essa já é consenso”, afirma ele, com razão.
O nosso “Instituto “HIT/HC” tentou colocar o vernáculo como hors concours, mas não tem jeito. Alguém sempre cita a infeliz, até com certa raiva. “Mas a minha palavra chata escolhida para 2022 é 'gratiluz'”, aponta Castro, citando também “migo” e “miga”.
A política inspirou a escolha não só de palavras. Para a escritora Fernanda Mello, a expressão “cidadão do bem” virou uma espécie de produto comercial nas últimas eleições.
“O termo foi usado incessantemente para criar identificação dos eleitores com uma esfera política específica, não tendo, infelizmente, nada a ver com ser correto, honesto ou íntegro”, observa.
“Concordo com Karnal quando ele diz: 'A pessoa de bem é a pior invenção da espécie humana. Em primeiro lugar, porque ela é arrogante, ela não pertence à humanidade. Ela aponta o dedo, cumpre aquele papel que Jesus denuncia nos fariseus: olham um cisco no olho do outro, mas não olham uma trave que está no seu.”
O outro nome da mentira
O ator Antônio Grassi aponta “fake news”, a dupla que circulou com abundância por nosso país. Segundo ele, trata-se de um péssimo movimento antropofágico, apropriando-se do inglês para tentar dar alguma superioridade ao que de pior viveu o Brasil em sua história.
“Notícias falsas foram usadas como munição em abundância por grupos que defendiam liberdade de expressão e a volta da ditadura ao mesmo tempo, como se a mistura fosse possível. Que se apague para sempre essa fase e a 'fake news' seja varrida junto com a sandice 'patriota' que invadiu ruas e portas de quartéis”, critica Grassi, com o apoio da produtora Claudia Marinho, que também não aguenta mais essa expressão.
O escritor Daniel Cruz não sentiu que novas palavras realmente tenham surgido do cotidiano, viu a repetição de algumas chatas de 2021, como “coronavírus” e “antivacina”. Para ele, o clima da Copa trouxe o excesso de “hexa” e a frustração da derrota.
“A situação na Ucrânia nos relembrou de termos chatos como 'guerra' e 'bombas'”, afirma. E reforça: “A coisa mais sem sentido deste ano é a manifestação em frente aos quartéis pedindo 'intervenção', algo démodé e antidemocrático que, portanto, merece ser a palavra mais chata do ano.”
Dolly Piercing, cantora, drag queen e atriz, cita mais de uma. “'Corte', 'desvio', 'verba' e 'orçamento', sempre acompanhadas de um jeitinho muito canalha para fazer valer a canalhice dentro da burocracia cafajeste do sistema”, detona.
“São palavras chatas porque estão metidas em esquemas fraudulentos de corrupção”, reforça, observando que elas fazem parte da “novela sádica” que define a vida da população. “Vence quem foi mais mau-caráter”, acredita.
Anglicismo afetado
O advogado Leo Maximo aponta “budget”, “anglicismo afetado, desnecessário e irritante”. Para ele, a palavra “orçamento” é tradução perfeita de “budget”, “razão pela qual o uso do vocábulo em inglês não faz o menor sentido, a não ser para tentar dar a pretensiosa dimensão de importância maior a algo absolutamente corriqueiro”, argumenta.
“Nossa língua é incrível, e no mais das vezes sobrevive muito bem sem a importação de termos, especialmente aqueles que têm correspondência exata em português”, ensina Maximo.
Bem-humorado, o ator André de Proença acredita que só um glossário para reunir tantas palavras chatas. “Com certeza, deram nos nervos coisas do tipo 'patriota', 'Raja', 'código-fonte', 'cercadinho', 'milícia'... Isso sem citar nomes próprios – aí, sim, uma lauda seria muito pouco!”.
ELAS FICARAM CHATAS DE DOER...
ANTIDEMOCRÁTICO
“Mais que palavra, foi um ato abusivo, débil, violento, criminoso e vandalismo durante o ano de 2022, principalmente depois das eleições.”
» Marcella Souza, pedagoga e intérprete de Libras
APOLÍTICO
“Não aguento as pessoas falarem que são 'apolíticas', se tudo é política!”
» Lúcia Pinheiro Costa G. Machado, do coletivo Pontos de Luta
BANDEIRA
“Tem jeito não. A palavra mais chata é 'bandeira'. Na boca dos patriotas, é convite para cantar o Hino. Tenho é saudade do tempo em que 'dar bandeira' era paquerar alguém...”
» Afonso Borges, produtor cultural
CAPITÃO
“Até entendo apelidar quem não cumpre seu papel, mas ficou repetitiva e piorada como 'capitão do povo'. “Do povo” foi a princesa Diana, pela humanidade, não um autointitulado imbrochável. Capitão de verdade é posto sério. Se puder indicar mais duas, escolho 'patriota', muito deturpada, e 'mindset', com seus milagres impossíveis.”
» Jaime Hosken, jornalista
DESMATAMENTO
“Descaso com o nosso planeta, o nosso hábitat, nosso meio ambiente.”
» Inês Peixoto, atriz
EMPODERADA, CANCELAMENTO, FAKE NEWS
“O mais chato do uso excessivo de certas palavras é a banalização do significado delas. Neste ano, várias palavras foram literalmente banalizadas. 'Empoderada' e 'empoderamento' foram palavras usadas por exaustão e perderam força. 'Cancelado' e 'cancelamento' nas redes sociais literalmente cansaram a paciência de todos! Mas as piores de ouvir neste ano foram as 'fake news'. Não poder confiar nas palavras é a pior coisa.”
» Bianca Lage, jornalista
ENGAJAMENTO
“Ser invisível e maldoso que diz o que você deveria ser para ser bem-aceito no metaverso.”
» Leca Novo, fotógrafa
GRATIDÃO
“Mas pra ser chata tem que vir acompanhada do #!”
» Kika Gontijo, decoradora
HEXA
“Que bom será passar quatro anos sem ouvir esse papo!”
» Juliana Scucato, psicóloga
INSERIR
“'Seu cartão é de aproximação ou 'de inserir'?'. Affff, chatura e antipatia.”
» Daniel Boratto, médico
MÁSCARA
“Depois de três anos de pandemia, até arrepio quando alguém fala que é obrigatório usar máscara. Em 2023, quero ver mais sorrisos e que as máscaras – todas elas – possam cair…”
» Fabíola Paiva, editora do @fashionistando
METAVERSO
“Não estou dando conta nem da vida ao vivo, que dirá fake...”
» Fernanda Ribeiro, jornalista
MIDIÁTICO E INSTAGRAMÁVEL
“Por representarem uma civilização acelerada e exausta pela rapidez de informações, que torna banal o que é consistente e importante.”
» Letícia Bhering, produtora
MIMIMI
“Vem sempre acompanhada de preconceito, descaso e falta de empatia.”
» Audrey Andrade, produtora de moda
NARRATIVA
“É a palavra mais chata do ano. Vocábulo importante na história oral e nas pesquisas qualitativas, esvaziou-se quando criaram narrativas de tudo. Tudo é narrativa.”
» Gustavo Greco, designer
ORGÂNICO
“Tudo agora é 'orgânico'! Dos alimentos ao crescimento das redes sociais. 'Meus seguidores são 'orgânicos'; grupos são 'orgânicos', nasceram 'espontaneamente'; início de relacionamento é 'orgânico'; finais de relacionamentos também são 'orgânicos'; amizades são 'orgânicas'. Tamanho o uso de 'orgânico', ficou chato ser 'orgânico'!”
» Ana Paula Dacota, gestora cultural
PATRIOTA
“Pelo conjunto da obra. Deveria significar amor, mas o sentido primeiro foi e segue sendo deturpado para fins espúrios, usado por incultos, desculpa para irracionalidades e atos violentos.”
» Luiz Arthur, ator
“Usada de maneira banalizada e carregada de hipocrisia, pois servir à pátria jamais será atacar o regime democrático que a rege.”
» Cris Paz, escritora
“Sequestro de cafonice sem igual por parte da população, deslegitimando o amor pelas minorias, natureza e inclusão social, que verdadeiramente representa o espírito brasileiro.”
» Gentil Nascimento, músico
POLARIZAÇÃO
“Além de ser chata, esta palavra traz consigo uma divisão que não deveria existir e faz nossa democracia enfraquecer no momento em que deveríamos ser fortes e coesos. Que em 2023 nossas almas se irmanem e o equilíbrio esteja presente em tudo.”
» Carlos Nunes, ator
RESILIÊNCIA
“Por modismo, saiu da física passou a ser aplicada a tudo, criando até uma tal 'resiliência financeira'.”
» Leo Cunha, escritor