Vinte e dois anos depois de sua estreia no Grupo Corpo, Janaina Castro deu adeus à companhia, mas segue dando aulas de balé para adultos, criando figurinos e fazendo oficinas com a linguagem coreográfica criada por Rodrigo Pederneiras, o coreógrafo da companhia de dança. Com 27 anos de dedicação ao balé, Jana, como é chamada carinhosamente pelos amigos, acredita que hoje, comparado ao início de sua carreia, existe mais acesso à dança. "No início da minha carreira, desconhecia o que acontecia fora do Brasil. Poderia saber nomes de coreógrafos e companhias importantes. Lia sobre, e imaginava. Mas era difícil saber visualmente do que se tratava. Talvez por um acaso, ou muita procura, você se deparava com uma fita VHS de alguém que voltava de viagem com uma dessas na mala. Os festivais te colocavam a par das produções nacionais, não mais do que isso." Do interior de Minas, Janaina reconhece que teve sorte em ser aluna da academia Beth Dorça, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, que proporcionava um intercâmbio constante com coreógrafos e bailarinos do Brasil, além de estar nos festivais mais importantes do país. "Isso foi essencial para minha formação. Hoje os festivais mudaram seus formatos, mas ainda são importantes centros de troca e aperfeiçoamento. A informação chega rápido e, da sua casa, você assiste a espetáculos, filmes e todo tipo de material de dança possível. Uma maravilha".
O que levou você, que sempre teve uma trajetória de sucesso na companhia, é lembrada como a Jana, do Corpo, a deixar o grupo, especialmente este ano em que Rodrigo Pederneiras fará coreografia baseada em Estancia, de Alberto Ginastera (1916-1983), para Filarmônica de Los Angeles, sob regência de Gustavo Dudamel?
Acho que sempre haveria um motivo para permanecer. Se eu não colocasse um prazo, continuaria questionando se não dava para ficar mais um pouquinho. Eu amo tudo o que vivi no Grupo Corpo, e sempre teria um lugar, uma estreia, um compositor, uma nova produção, um assunto que colocasse em xeque minha decisão de ficar ou sair. Nunca tive uma lesão, me envolvi profundamente em todos os processos criativos que participei, nutri o carinho e respeito por todos com quem tive o prazer de trabalhar nesses 22 anos. Durante esse tempo me tornei mãe, fiz grandes amizades, viajei o mundo. Deixei o grupo me sentindo apta a continuar. Sabia que não seria fácil. Ainda hoje me emociono lembrando dessa história. Mas era hora. Meu desejo era parar bem. Por respeito à minha trajetória e ao grupo que se tornou a minha casa. Tenho 45 anos, metade da minha vida foi no Grupo Corpo, vi muitas pessoas passarem por ali. Também senti que chegava a minha hora de seguir outros caminhos e desafios.
Há um tempo você prepara essa fase de transição entre a saída do Corpo e um novo caminho. Com seus colegas da companhia (Cassi Abranches, Gabriel Pederneiras e Atilla Gomes), integra a produtora Blecaute, onde atua como figurinista. Como surgiu o interesse em criar a vestimenta de um personagem, seja no teatro, na dança, em uma campanha publicitária?
Em 2009, Cassi Abranches, minha amiga, estava fazendo um trabalho para o Balé Jovem de Minas Gerais/Palácio das Artes e me convidou. O que parecia óbvio para ela, me pegou de surpresa. Aceitei quando ela me convenceu de que também estava pela primeira vez fazendo algo daquela proporção e não tínhamos nada a perder. Nos comprometemos a fazer o melhor possível e começamos ali o que viria a ser uma parceria profissional que dura até hoje. "Contracapa" (obra criada para o Balé Jovem) foi o pontapé. De lá pra cá, vieram vários trabalhos em parceria, além de vários outros com novos parceiros. Cada dia mais percebo que o figurino une minha formação em artes plásticas, minha relação com o vestuário e a experiência como bailarina. Gosto de pesquisa, de construir histórias e me dá um prazer enorme todo o processo de criação. Às vezes, a inspiração surge de um livro, filme, minhas próprias experiências visuais ou memória afetiva. O mais importante é o desejo de fazer, que foi o termômetro para que eu compreendesse um novo caminho se configurando.
Qual a importância da dança e da moda em sua vida?
Eu sou uma pessoa calada, tímida. Apenas quem me conhece de perto consegue ver meu lado falante ou mais extrovertido. Vestir-se, assim como dançar, foi uma ferramenta para me expressar sem precisar dizer muito. Desde muito nova eu criava minhas próprias roupas e minha madrinha costurava minhas loucuras. Tinha um jeito muito pessoal de me vestir. Ao longo da minha construção pessoal, da forma como eu quis que as pessoas me reconhecessem, a moda e o figurino sempre estiveram no meu campo de visão. Talvez isso tenha feito Cassi acreditar que eu seria a pessoa que poderia contribuir para seu trabalho, e realmente foi um olhar oportuno. Acabei me tornando figurinista, afinal.
Você também ministra oficinas desenvolvidas a partir da linguagem coreográfica de Rodrigo Pederneiras...
Este é um projeto antigo. Eu já dou aulas da linguagem de Rodrigo Pederneiras desde os meus primeiros anos no Grupo Corpo. Eu adoro me envolver no trabalho e chegando lá em 2000 achei que seria uma forma de aprender mais rápido essa linguagem tão específica e me fazer útil em outras funções. Na pandemia, estávamos todos tentando nos manter produtivos. A ideia dos workshops ficou mais robusta. Quando comecei a visualizar minha transição, achei que valia a pena investir também em uma continuidade do trabalho que realizei como bailarina ali. Conversei com Rodrigo Pederneiras e expressei meu desejo em continuar dando aulas, mesmo que encerrasse minha carreira como bailarina da companhia. Ele abraçou meu desejo e me deu carta branca para continuar. Como disse, as aulas sempre existiram, mas meu desejo é que mais e mais pessoas possam estar em contato com o repertório do Grupo Corpo e com este jeito único de o Rodrigo se mover. O projeto está em construção. Estou estudando parcerias e onde me parece importante que ele aconteça. Tanto Rodrigo quanto Paulo (Pederneiras), diretor artístico do Corpo, têm me dado suporte e liberdade para botar o projeto nos trilhos. O que só reafirma que existe muita confiança e respeito e que o Corpo sempre vai ser a minha casa.
O balé continua em sua rotina, agora como professora de balé para alunas e alunos 40+. Por que você escolheu esse grupo e o que a dança representa como atividade física para quem já passou dos 40 anos?
As aulas de balé para adultos surgiram como uma necessidade. Comecei a programar como seria essa transição quando saísse do Corpo, e um caminho seria dar aulas de balé. Mas eu tinha dúvidas sobre dar aulas para crianças ou trabalhar com formação. Também na pandemia resolvi fazer um curso de formação em ioga e vi uma oportunidade de unir as duas técnicas em um método gentil para pessoas adultas. Conversando com minha amiga Carol Salete, que hoje se especializou neste público específico, ela me ofereceu seu espaço para que eu pudesse testar e iniciar uma turma. Meu espaço de aulas é acolhedor e pensado para atender o desejo de pessoas que querem se exercitar e procuram bem-estar físico. As academias de musculação nem sempre são atrativas para pessoas que buscam mais que apenas resultados físicos. A dança traz benefícios enormes. Não seria diferente para pessoas adultas. E com a perspectiva que estamos envelhecendo como população, é preciso normalizar que é possível aprender algo novo ou colocar um desejo antigo em prática. Costumo dizer que o balé exige muita atenção, que é preciso estar ali inteiro. Deixar tudo fora da sala durante uma hora. Para pessoas que estão em uma incansável luta de tempo X produtividade, uma hora de balé é realmente terapêutico. Trabalho conceitos como foco, equilíbrio, respiração, presença, autocuidado, envelhecimento saudável, musicalidade, espacialidade, memória e prazer. Alguns chegam tímidos e incertos de que o balé seja possível. Mas rapidinho se encantam. As turmas têm crescido e mais pessoas têm se permitido.