Jornal Estado de Minas

HENRIQUE PORTUGAL

Preconceito silencioso contra a classe artística

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Trabalhar com entretenimento é saber que a qualquer instabilidade econômica o seu negócio será afetado imediatamente e a volta dos contratos só acontecerá quando tudo já estiver normalizado. Isso não está acontecendo só agora. As pessoas, de uma forma geral, cortam a diversão e passam a gastar somente com insumos básicos até tudo voltar à normalidade. Isso sempre foi uma opção de cada um, e nunca uma decisão política.





O que estamos vendo na pandemia é o fechamento de bares, restaurantes e casas de show a qualquer aumento estatístico de ocupação de leitos hospitalares dedicados ao coronavírus. Não vejo esse cuidado excessivo na ocupação dos transportes públicos e também no movimento dentro dos shoppings, que são ambientes fechados e com frequência alta de pessoas, assim como eventos e shows.

A diversão e o prazer, historicamente, sempre foram considerados atividades de segunda classe. Na maioria das grandes cidades, as áreas musicais, bares e a prostituição ficam próximas fisicamente. Afinal de contas, são profissões que têm uma grande relação com a noite. Onde tem diversão, tem música, bebida e sexo. Essa é a regra básica da humanidade. São os bordéis parisienses no Pigalle, são as tabernas da idade média e os pubs ingleses, somente para citar alguns.

Alicia Keys falou recentemente que a música a salvou da prostituição e das drogas. A arte, assim como o futebol, sempre foram as opções para a ascensão de pessoas de bairros mais pobres. O Maradona disse certa vez que o tiraram do seu bairro simples, mas não o ensinaram como viver fora dele. Escutei de Elza Soares, uma vez que lhe perguntaram de onde ela veio para ter tanta vontade e força, uma resposta simples: “Eu vim do planeta fome”.





Citei somente nomes que, com seu talento, garantiram o sustento da família e fizeram milhares de pessoas sonharem. Ser artista não é uma opção; é uma escolha de vida. Os que alcançam o sucesso são celebrados, mas os que param no meio do caminho são desprezados.

Falamos tanto hoje em dia de preconceito, mas temos vários deles entrelaçados em nossa cultura. Desde expressões que utilizamos de forma negativa, como “lista negra”, “caixa- preta”, “isso não está claro”, até o preenchimento de uma ficha de banco, na qual colocar que sou economista é mais valorizado que pôr que sou músico.

Sou artista porque escolhi ser. Eu espero que todo este tempo de confinamento esteja sendo utilizado para nos tornarmos pessoas melhores. O mundo precisa de mais propósito e menos hipocrisia. Acabei de ver um vídeo do professor Lúcio Fonseca no TEDx Savassi, no qual ele cita a importância de artistas como Elvis Presley na mudança do comportamento dos jovens. Precisamos de mais arte para ter liberdade de questionar os padrões que nos prendem ao passado.





A estrutura do ensino ficou travada durante várias décadas e agora está tentando se modernizar a toque de caixa. O futuro e a nossa sobrevivência estão na criatividade. Não será decorando um texto para obter uma boa nota que protegerá você do vem que pela frente.

A música é um segmento muito forte no Brasil. Voltamos a ter relevância no mercado mundial por conta de ser viciados em redes sociais e ter nos adaptado rapidamente com o YouTube e os players digitais de música. Somos um dos poucos países onde a sua própria música é mais tocada do que músicas anglo-saxônicas. As grandes empresas do segmento estão de olho no que estamos fazendo por aqui.

Um grande amigo, dono de um fundo de investimento, me disse certa vez que deveríamos assumir que somos os melhores do planeta em fazer comida e festa. O agronegócio nos tornou o celeiro do mundo e somos ótimos em fazer música animada. Se assumirmos as nossas aptidões naturais, seremos mais respeitados mundo afora.

audima