Penso que boa parte das pessoas que estão lendo esta coluna já viram alguma imagem do que está acontecendo no Afeganistão. A primeira vez que ouvi falar deste país foi em um filme do Rambo, no qual a sua missão era buscar seu amigo e mentor, preso com os russos, que haviam invadido o país. A visão que nos foi passada no filme era de uma população com uma cultura milenar e pouca ligação aos costumes e tecnologias modernas. O final, como quase todo filme blockbuster, foi um resgate apoteótico com muito tiro e bombas explodindo.
O que estamos vendo pela internet e televisão, mostra uma população completamente apavorada, tentando fugir de qualquer maneira com a retomada do poder pelo movimento Talibã. Ainda existem alguns países com sistemas políticos totalitários, mas as liberdades individuais – mais precisamente o respeito pelas mulheres – mudou bastante nos últimos anos.
O empoderamento individual ganhou espaço diante da tolerância coletiva. Os grupos sociais, principalmente as minorias, se aproximaram com as ferramentas digitais e, a qualquer sinal de abusos, assistimos cancelamentos e uma grande pressão nas redes sociais. Se na última passagem dos Talibãs pelo poder, nos anos 1990, eles suprimiram as liberdades individuais das mulheres, no mundo conectado de hoje, isto é inaceitável.
Antes, diante de um grande interesse econômico, alguns abusos de origem social ou ambiental eram abafados. A agenda ESG está implementando o compliance social dentro das corporações. O dinheiro está perdendo seu poder absoluto sobre muitas situações. Qual empresa multinacional, com ação listada na bolsa, poderá fazer negócio no Afeganistão? Respeitar a religião de cada um é um preceito básico, mas quando chega ao ponto de limitar a vida de todas as mulheres de um país, trata-se de um retrocesso que não será facilmente aceito pelos parceiros que serão procurados para reconstruir o país.
Cada nação tem sua Constituição e a opção que ela seja laica ou não. As transformações culturais que ocorreram nos últimos 20 anos obrigarão os atuais governantes do Afeganistão a se atualizarem em algumas condutas. Não é uma questão do tipo "dentro da minha casa, eu faço as regras". O mundo mudou bastante desde que eles saíram do poder, em 2001.
Agora, a nossa conversa não se limita ao terrorismo. Embora esta seja uma questão majoritariamente cultural, suas origens contam com equações sociais mais amplas. Recentemente, o papa Francisco bem pontuou: “os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, pela repressão e por meio dos assassinatos, mas também pela existência da extrema pobreza e de estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades”. Ou seja, esta conversa é um convite à reflexão social macro, no sentido global, e não apenas um dedo em riste para o mundo islâmico.