Quando colocamos um vinil dos Beatles na radiola, agora chamada de pick-up, a ordem das músicas a serem tocadas foi estabelecida pelos quatro garotos de Liverpool, como se fossem os capítulos de um livro. Com o streaming e a volta do lançamento de canções separadas, isso mudou completamente. É a comparação das novelas brasileiras com as séries americanas. Aqui, não podemos perder a sequência dos capítulos. Já nas séries, como “Friends”, podemos ver capítulos separados que não faz a menor diferença.
Escutar músicas soltas nos trouxe a liberdade para criarmos as nossas seleções musicais, assim como fazíamos com as fitas cassetes e os CDs graváveis. Os vendedores de CD’s piratas chegaram a fazer suas próprias montagens como “O melhor do sertanejo”. Eu mesmo vi uma compilação de músicas do Skank que nunca saiu oficialmente. Foi um sinal para algo em que já estávamos pensando, pois os vendedores de produtos piratas só vendem o que o povo pede.
Só que essa liberdade de opções dá trabalho e gasta-se um tempo enorme. Aí foi inventada uma nova profissão: os curadores de playlist ou os “mood makers”. Eles são os especialistas em seleções musicais apropriadas para cada ambiente, hora do dia ou seu estado emocional. Existem opções variadas como “final de tarde na praia”, “trabalho em casa”, “ginástica”, “pulando da cama” e “músicas tristes para chorar até soluçar”.
O final de tudo isso é que, ao criar as nossas playlists ou selecionar alguma já existente, estamos mostrando quais os temas que nos agradam e qual a nossa rotina. O resumo é: quando um artista cria um álbum, coloca as músicas em uma sequência específica, trata-se do seu retrato naquele momento. A nossa seleção musical expõe o mesmo: o que somos, o que estamos vivendo e os nossos desejos. É o nosso DNA musical, ou melhor, nosso RG musical. Com todas essas informações, as plataformas podem nos oferecer produtos relacionados às nossas vontades e necessidades específicas.
Não vejo nada de errado nisso, pois a palavra privacidade está quase extinta de nossas vidas. Achamos que sabemos utilizar um smartphone, mas, na verdade, estamos sendo utilizados por ele. George Orwell escreveu no livro “1984”, que foi lançado em 1949: “a escolha para a humanidade está entre a liberdade e a felicidade e para a grande maioria da humanidade, a felicidade é melhor”. Então, que me ofereçam exatamente o que eu quero para me sentir feliz.