Era uma vez, há muito tempo, por volta do ano 1850, duas escravas que trabalhavam juntas na casa grande de uma fazenda nas redondezas de Ouro Preto, num distrito chamado Itabira do Campo. Uma se chamava Maria Conga e a outra Filó. Elas eram cozinheiras de mão cheia.
As escravas não eram princesas indefesas, mas sim mulheres fortes, que com todas as limitações que a escravidão impunha, conseguiam encontrar alternativas para sobreviver saboreando um pouquinho das delícias do mundo. Então, elas iam juntando os restos de carne e sobras, tudo bem escondido dos donos da casa.
O fubá já era bem comum pelas bandas de lá, e elas criaram uma massa à base de angu – uma mistura de fubá de milho com água, para preencher com as sobras que elas guardavam. Então, elas colocavam aquelas sobras dentro da massa, mas tudo tinha que ser bem escondido, afinal elas não podiam ser pegas.
Não dava tempo de fechar o pastel bonitinho, então elas apertavam na mão e os pedacinhos da massa saiam entre os dedos. Mas quando essa massa recheada de sobras caía na gordura quente do fogão à lenha! Ahhh! Aquele aroma inundava o coração e enchia a boca d’agua! E quando ficava pronto, o alimento não era só para matar a fome, mas para aquecer a alma e dar um pouco de prazer a quem tinha uma vida tão sofrida.
Eu não sei se elas se sentiam assim, mas é assim que eu gosto de imaginar a vida de quem deixou para nós uma preciosidade em forma de pastel, carregado de sabor e de história. Os anos se passaram, na verdade mais de um século se passou. Mas Maria Conga e Filó deixaram uma história que é revivida até hoje, cada vez que uma das mulheres mantenedoras do pastel de angu começa a peneirar o fubá, fazer a massa, o recheio (que atualmente existem diversos) e fechar o pastel.
Hoje, o pastel não precisa mais ser amassado na mão e apertado entre os dedos sorrateiramente. Fazer o pastel se tornou um patrimônio daquela cidade perto de Ouro Preto, hoje conhecida por Itabirito. A cidade que tem nome de minério, carrega uma das mais lindas histórias da gastronomia mineira.
Tão importante é essa história, que há 30 anos, um grupo de mulheres se reuniu para fazer os pasteis de angu da forma mais tradicional possível, obviamente que mantendo o formato do pastel, mas aprimorando seu desenho e cuidando da higiene. Afinal, agora todo mundo já sabe e não é preciso mais esconder! Desse grupo, nasceu uma associação. E agora, independentemente de qualquer coisa, muitas mulheres em Itabirito mantem além da história e cultura local, suas famílias com a venda dos pasteis de angu.
Uma delas é a Dona Nilda, que já consegue abrir as portas de sua pequena fábrica para os visitantes que quiserem saborear o pastel localmente. Na casa dela é possível ver como o pastel de angu é feito com carinho, e como mesmo mantendo a tradição, a Dona Nilda consegue inovar.
Os recheios são os mais variados, como o tradicional umbigo de bananeira, que é aquele pêndulo que se forma abaixo do último cacho de banana. Tem de torresmo com couve, de frango, de carne seca, de alho poró e até Romeu e Julieta, a deliciosa mistura mineira de queijo com goiabada. Isso é puro turismo de experiência, que faz com que possamos utilizar todos os nossos sentidos.
Eu não sei se a Maria Conga e a Filó foram felizes para sempre, infelizmente a história nos faz achar que não. Mas elas deixaram para sempre, num cantinho de Minas Gerais, na cidade de Itabirito, umas das maiores delícias da nossa gastronomia. O pastel de angu! Típico, forte e marcante, como eu imagino que as duas deviam ser.
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