A SAF, Sociedade Anônima do Futebol, chegou ao Brasil como grande marco e solução para os graves problemas enfrentados pelos clubes. Leigos que somos, nós, jornalistas e torcedores, imaginamos que tudo se resolveria como num toque de mágica, mas a coisa não é simples assim. Muito pelo contrário. Quem leu o artigo publicado pelo Estado de Minas e “Correio Brasiliense”, escrito pelo dr. Lucas Kalil, advogado pós-graduado em direito societário pelo Ibmec, especialista em Fintech law pela Columbia law School, mestre em direito pela Faculdade Milton Campos, pôde perceber que os clubes enfrentarão sérios problemas por dissociarem o patrimônio da SAF e dos clubes. A situação não é tão simples assim. “A Lei da SAF alcança o nefasto recorde de desrespeitar, para não dizer ofender, a Constituição Federal, em pelo menos quatro passagens distintas, motivo que revela a sua insustentabilidade jurídica”, diz o doutor Lucas Kalil.
O que mais se fala hoje é sobre o desrespeito às leis da SAF por parte dos Tribunais Regionais, bem como em decisões arbitrárias e autoritárias. Na verdade, segundo o doutor Lucas Kalil, apenas os julgadores cumprem a Constituição Federal, não admitindo que o “calote legal” se sobreponha a mais singela garantia fundamental. “A lei da SAF permite o esvaziamento do patrimônio dos clubes, sobretudo com a transferência da sua atividade primordial (o futebol), que seria capaz de gerar receitas financeiras, mas mantém nos clubes todas as dívidas e responsabilidades de pagamento imediato. Nesse cenário, o credor trabalhista (cujo crédito tem natureza alimentar), simplesmente não poderá mais executar os principais ativos do clube (agora da SAF), e muito menos esperar que a receita imediata do futebol seja vertida para o pagamento de seus créditos”.
Até agora, todas as SAFs vieram do exterior e a lei tem priorizado a tranquilidade econômica do investidor em detrimento de verbas alimentares, que gozam de prioridade constitucional. Aí, segundo o doutor Lucas Kalil, a Justiça do Trabalho se depara com a “dicotomia complexa”, ironiza. Deverá respeitar a lei da SAF ou o direito fundamental do trabalhador, como exige a constituição? Segundo ele, o segundo atropelo constitucional diz respeito ao Regime de Tributação Específico do Futebol (TEF). “O regime alardeado como 'benéfico' e simples, na verdade, é uma grande mentira. Primeiro porque o imposto de renda no regime é calculado sobre a receita da SAF, contrariando a lógica constitucional de tributação do lucro.” O outro ponto destacado é com relação a emenda constitucional número 103/2019, que passou a impossibilitar que as contribuições sociais possuam base de cálculo diferenciada por setor. “A lei da SAF parece não ter se atentado para o novo comando constitucional, pois o TEF expressamente ignora a emenda, impondo a tributação sobre a receita”.
O jurista diz que “por fim, era de se esperar que o “calote” licenciado pela legislação viesse em contrapartida social relevante a justificar a intervenção do Estado na iniciativa privada. E a obrigação de ter um time feminino”. Vale lembrar que ter um time feminino já é uma imposição da CBF e Conmebol aos clubes, mas o investimento é irrisório, o que implica dizer que, na verdade, a contrapartida social que a lei impõe às SAFs é nenhuma, o futebol feminino continuará sucateado e aí se perde uma grande oportunidade de destaque no plano internacional sobre o necessário tema da igualdade de gênero. Lucas Kalil encerra dizendo que: “em época de SAF, a constituição Federal parece não merecer deferência. Que o erro não se repita. Primeiro é preciso ajustar o sistema jurídico da SAF, que é precipitado, inseguro e ineficaz, para num segundo momento pensar em Liga, sob pena de fazer com que a ansiedade de uns respingue em todos os demais clubes aderentes”, finaliza.
Na verdade, a lei da SAF, pelo que a gente percebe, é uma grande mentira, que terá sua verdadeira “face desmascarada” em breve. O ex-goleiro Raul Plasmann, que tem uma ação na Justiça Trabalhista contra o Cruzeiro, declarou, recentemente, que “foi instituído o calote no futebol brasileiro, a partir da chegada da SAF”. E pelo que temos visto, ele e outros atletas que têm ações trabalhistas contra os clubes estão cobertos de razão. A conta vai chegar e vai estourar, em breve, em todas as SAFs, haja vista que, como muito bem colocou o doutor Lucas Kalil, as atuais proposições vão de encontro à Constituição Federal. Ainda teremos muito pano para manga, pois não se pode, segundo o ponto de vista jurídico, estabelecer um “calote”, dissociando patrimônios e atividades dos clubes e das SAFs. No fundo, são a mesma pessoa.