Jornal Estado de Minas

COLUNA DO JAECI

Nosso futebol é reflexo de uma sociedade violenta, corrupta e cruel

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Continuo intrigado e triste com a quantidade de gente grosseira e violenta que, de forma covarde, agride verbalmente o técnico, Luís Castro, só porque ele optou por uma proposta financeira e de trabalho melhores do que as oferecidas pelo Botafogo.



Todo trabalhador tem o direito de escolher onde irá trabalhar e não deve ficar refém de nada. Há 3 meses, Castro era execrado pela péssima campanha no Campeonato Carioca, e teve sua saída pedida por 100% dos botafoguenses. Agora, líder isolado do Brasileirão, com a melhor campanha de todos os tempos dos pontos corridos, com 30 pontos em 36 disputados, era idolatrado até surgir a proposta do Al Nassr, onde irá ganhar 10 vezes mais do que ganha no clube carioca e terá a tranquilidade que os técnicos brasileiros não têm.

Chega de enxugarmos gelo, pois os dirigentes não piscam para mandar um treinador embora, em caso de 5 derrotas seguidas. Alguns não esperam nem isso. O futebol brasileiro é regido pelas torcidas organizadas. São elas quem demitem e admitem treinador. Os dirigentes são reféns, e, alguns, coniventes. O amadorismo impera mesmo entre os clubes que já viraram empresa, caso do Vasco da Gama, que anda caindo pelas tabelas.

Técnicos veteranos, vencedores e considerados ultrapassados, com o que não concordo, estão aí no mercado. Eu prefiro chama-los de experientes e vencedores, casos de Luxemburgo e Felipão. Porém, vai aqui um alerta: imprensa e torcida não dão chance de a nova geração de técnicos progredir e encontrar seu espaço. Jair Ventura é pra mim o melhor treinador da nova geração.



Estudioso e dedicado, já fez excelentes trabalhos que o levaram a times grandes como Corinthians e Santos. Entretanto, não conseguiu se firmar, pois a cultura do imediatismo, que não permite perder jogos, o detonou. No Brasil não se dá tempo para um treinador trabalhar e implantar sua filosofia. Ninguém consegue realizar um projeto em seis meses e, muitas das vezes, em um ano. Dirigente sério e consciente, contrata um técnico por dois anos, e exige, nesse período, metas a serem cumpridas.

Mas, num país violento, onde torcedores invadem Cts para cobrar de jogadores e técnicos, muitas das vezes, agredindo-os, não se pode esperar muita coisa. Os dirigentes, covardes que são, acabam por trocar um técnico, que poderia evoluir e dar resultados lá na frente.

O dia em que as pessoas entenderem que é apenas uma partida de futebol e que sempre haverá uma equipe melhor e mais bem treinada que a sua, e, dessa forma, ela vencerá, talvez a coisa mude. As cenas de violência, recorrentes, de norte a sul do país, nos envergonham, assustam e provocam no pai o medo de levar o filho ao estádio.



Técnicos têm seus telefones vazados, numa covardia sem fim. O ex-treinador do Santos, Odair Helmann teve o telefone dele, da mulher e dos filhos vasados. Sofreu o “pão que o diabo amassou” e largou a toalha. Nos Estados Unidos se você vasar o telefone de alguém, é cadeia na hora. O sigilo das pessoas e os dados pessoais são sagrados.

Treinadores no Brasil são ameaçados a todo o momento. Curiosamente, os que vêm de fora são mais respeitados que os que nasceram aqui. Já vimos casos em que os estrangeiros recebem um tratamento diferente. Do jeito que estamos, não vamos conseguir dar uma evolução a Jair Ventura, Fernando Diniz, Paulo Turra e outros jovens técnicos, em busca do seu espaço. O futebol se transformou numa coisa violente e nojenta.

Os caras invadem Cts, aeroportos, jogam sinalizadores, brigam nos estádios, como se isso fosse resolver o problema técnico de sua equipe. Na verdade, só contribuem para piorar ainda mais. Alguém, em sã consciência, acredita que um time melhore sua condição técnica porque houve cobrança dos torcedores, invasão no local de trabalho e tudo o mais? Claro que não.



O que faz uma equipe melhorar é o trabalho, repetido a exaustão, com esmero, com paciência e determinação. Ninguém vai melhorar porque foi agredido ou xingado. Por que uma centena de torcedores se acha melhor do que os outros milhões de adeptos que os clubes têm? Lugar de protestar é na arquibancada, com faixas de cabeça para baixo, vaias e mais vaias. Qualquer coisa além disso, não pode ser tolerada pela sociedade de bem e pelas autoridades.

Há muito estou perdendo o gosto pelo esporte bretão, que eu tanto amei um dia. Quando você vai a um jogo na Europa, Estados Unidos ou em qualquer outros país civilizado e que respeita as leis, você percebe o quanto estamos atrasados no Brasil. Estamos voltando aos tempos do homem da caverna, numa ignorância sem fim.

Tenho conversado muito com meus filhos, sobre a possibilidade de parar de fazer o que mais amo, por estar enojado do futebol. Falcatruas de dirigentes, negociações escusas, violência sem fim, arbitragens péssimas, futebol na lama. Realmente o que estamos fazendo, cobrindo tudo isso? Num país onde um ex-governador, condenado a 400 anos de cadeia, está nas ruas, nos restaurantes caros, rindo e gozando da cara da sociedade, não podemos esperar outra coisa mesmo.

O Brasil está entregue e não vejo a menor possibilidade de mudança nesse quadro. O futebol, como digo sempre, só é um mundo à parte na questão salarial, com salários irreais e bem longe do que a nossa economia suporta. No mais, está inserido numa sociedade violenta, corrupta e cruel. Pobre futebol brasileiro, único pentacampeão do mundo, tão maltratado, ultrajado e largado.