Jornal Estado de Minas

Coluna do Jaeci Carvalho

Chegamos ao fundo do poço

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A morte da jovem Gabriela Anelli, de 23 anos, torcedora do Palmeiras, ao ser atingida por estilhaços de vidro, no pescoço, durante confusão entre “torcedores” do Palmeiras e Flamengo, no sábado, nos arredores do Allianz Parque, é a morte da “Maria, do José, do Marcos, da Joana, do Felipe e de todos nós”. Sim, todos nós morremos um pouco quando percebemos que a vida está banalizada e que bandidos, travestidos de torcedores, continuam a digladiar, a roubar, a matar. São cenas e tragédias recorrentes, de norte a sul do país, em cada estádio, em cada esquina, em cada estado. O assassino de Gabriela foi preso e seu nome foi divulgado. O assassino chama-se Leonardo Xavier Santiago, carioca e membro de uma torcida organizada do Flamengo. Com certeza, responderá o processo em liberdade, e as várias brechas na lei não o deixarão na cadeia por muito tempo. Vivemos esse caos há décadas e nenhuma providência efetiva é tomada.



A prima da jovem assassinada declarou: “essa violência no futebol precisa acabar. O fanatismo está deixando as pessoas doentes e esses assassinos precisam ser punidos”. É sabido que as torcidas organizadas, que num passado distante davam show de coreografia, hoje dão show de horror. As cenas são deploráveis e correm o mundo. Não há santo. Todas as torcidas, chamadas organizadas, têm membros criminosos. Pode não ser a maioria, mas há muita gente envolvida com o crime. A solução é a extinção de tais organizações, mas parece que as autoridades têm medo de tomar uma decisão radical. Já fizeram cadastros, identificações, mas nada resolve. Os caras vão para “matar ou morrer”, conforme afirmavam em cânticos. Por isso eu digo: torcedor de verdade, que gosta do clube, é aquele anônimo, que paga seu ingresso, não faz parte de nenhuma organização criminosa, que não briga e não mata. Esse sim tem um valor inestimável.

O técnico Vanderlei Luxemburgo deu uma declaração forte após o jogo com o Atlético: “Ficamos em “prisão domiciliar” no hotel em que estávamos concentrados aqui em BH. Isso é terrível. Os jogadores não podiam descer ao Hall, por medo de serem agredidos. Onde vamos parar? As autoridades precisam agir, rapidamente, antes que uma tragédia maior aconteça.” O zagueiro Gil foi agredido por membros de uma facção organizada do Corinthians. Recentemente, Luan, atacante corintiano, foi tirado de um motel aos tapas e sob ameaça de morte, com um dos membros da gangue armado. Os sete bandidos que ameaçaram Luan, já foram identificados, mas não presos. Na Vila Belmiro, o jogo entre Santos e Corinthians foi interrompido porque “torcedores” jogaram bombas dentro de campo. Em São Januário, a torcida do Vasco ameaçou invadir o gramado e também jogou bombas e sinalizadores. Olhem quantos atos criminosos. Jogadores sendo agredidos, ameaçados, só porque perderam um jogo de futebol. Que mundo é esse!

Há anos eu digo que o pai que leva um filho a um estádio de futebol é um irresponsável. Qualquer um de nós poderia estar no lugar da Gabriela, no momento em que estilhaços da garrafa a atingiram. Um cara matou uma menina, de forma covarde, sem que ela nem saiba o motivo pelo qual foi atingida. Morreu sem saber de nada, pois não estava envolvida na confusão. Apenas estava no lugar errado, na hora errada. Nosso futebol agoniza e chegou ao fundo do poço. Tecnicamente somos um vexame. A arbitragem é caótica. Clubes endividados até o pescoço. Dirigentes amadores, se achando donos dos clubes e a violência em níveis jamais imaginados. E ainda tem idiota que diz que o futebol brasileiro é o melhor do mundo, só porque é o único pentacampeão. Esquecem de dizer que somos dezenas de vezes “campeões” em brigas e mortes. Um dado estarrecedor e vergonhoso. Será que conseguimos colocar 2 milhões de pessoas na Avenida Paulista numa parada LGBTQI+ e não conseguimos nem um décimo disso para protestar contra a violência? Chega! Basta! Queremos escrever sobre o gol de bicicleta, sobre a defesa do goleiro, sobre a tabela, o drible, mas, infelizmente, não podemos fechar os olhos para a violência sem fim nesse país da mentira, corrupção e faz de conta. Se é “pão e circo” que as pessoas querem, os governantes sabem muito bem oferecer isso. Os políticos, com raras exceções, são especialistas nisso. Chegamos ao fundo do poço, será que ainda podemos acreditar numa autoridade capaz de salvar o futebol e as pessoas da violência e das mortes? Com a palavra, o Estado?

Ameaças a jogadores e familiares

Têm sido recorrentes, também, ameaças a jogadores e seus familiares. A esposa de um jogador do Corinthians disse que ela, o marido e os filhos estão doidos para irem embora, pois não aguentam mais ameaças. O jogador Willian, que teve a carreira quase toda dedicada ao exterior, voltou para o Corinthians, mas rescindiu seu contrato, pois sua família foi ameaçada. Voltou para a Inglaterra. Os “bandidos” agem como se a violência e as ameaças fossem resolver uma crise técnica ou mesmo devolver a alguns jogadores, o futebol que eles não têm mais. Se o atleta não corresponde, não é por corpo mole ou por má vontade. São todos profissionais, que dedicam sua vida ao clube. Eles dependem das vitórias para serem bem-sucedidos. Em qualquer profissão você pode errar e acertar. É da vida. Lembro-me do começo do goleiro Everson, no Atlético. Foi ameaçado, junto com a família, e sofreu preconceito racial pelas redes sociais. Ele deu a volta por cima, mas quantos não conseguem isso? Vou fechar esse texto, relembrado uma frase do Skank: É apenas uma partida de futebol”. Ou, como disse o ex-técnico italiano Arrigo Sachi: “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes da vida”.