Chegamos há cinco dias neste ano. Só cinco dias. E eu já estou exausta. Exausta, fracassada e repetitiva. Queria começar a primeira coluna de 2022 de forma diferente, mais bem humorada e festiva, mas não consigo. E, talvez o fato de não conseguir, por ora, seja o motivo dela existir.
Temos muito a falar ainda. Embora eu esteja sem qualquer carisma para ser didática com quem quer que seja pelo motivo de estarmos em 2022 e eu escrever semanalmente aqui sobre o tema e diariamente produzir conteúdos vários, em diferentes plataformas, sobre o assunto.
'Driblar a pauta urgente da "preocupação com a saúde", somada a da romantização da magreza é algo que exige preparo, treino e disposição'
Mas, é claro, sabemos que isso não é o suficiente. Entre os destaques desta semana, tivemos que ler que “Arma contra o diabetes ganha espaço como estratégia de perda de peso” e voltamos àquela que foi a primeira pauta neste espaço, sobre estarem sumindo com os nossos corpos e sermos cúmplices disso.
Driblar a pauta urgente da “preocupação com a saúde”, somada a da romantização da magreza é algo que exige preparo, treino e disposição. Não é todo dia que quero lidar com isso, confesso. Mas, fingir que não existe poderia ser ainda mais penoso. A obsessão pelos corpos magros não fica pra trás junto com as folhas do calendário. Temos carros voadores, robôs aspiradores, mas não temos colegas de trabalho e vida que respeitem nossos corpos - e nosso desejo de existir neles - como são
É impensável que enquanto estejamos lidando com fascismo, genocídio e fogo amigo em meio a uma pandemia cruzada existem pessoas que acham OK usar um medicamento para pacientes diabéticos em pessoas que desejam emagrecer. É tão absurdo que nem sei por onde começar a falar sobre. Mas, podemos começar pela necessidade absurda e compulsória pela magreza. E a primeira pergunta aqui é: pra quê?
'Imagina a insanidade de usar um medicamento criado para uma doença num corpo saudável para que ele seja modificado e passe, então, a agradar a sociedade?!'
Pra quê querem normatizar os corpos para que sejam todos magros - e sem papinho de saúde aqui. Já debatemos muito isso em outras colunas, por favor. A questão é: por quê?
Imagina a insanidade de usar um medicamento criado para uma doença num corpo saudável para que ele seja modificado e passe, então, a agradar a sociedade?!
Exaustivo, novamente, para dizer o mínimo. Mas, claro, não para por aí. Nestes cinco dias já acolhi uma amiga que está triste por ter que lidar com um relacionamento gordofóbico, recebi o relato de uma seguidora que quase caiu ao se levantar de uma cadeira de praia, se sentiu humilhada e resolveu se mutilar (fazer uma bariátrica) em razão disso. E aqui, cabe dizer que sabemos o quão despedaçada ela pode/deve estar para tomar esta atitude.
Já conversei com outra seguidora que “ganhou de presente” de uma colega um remédio para emagrecer e não conseguiu recusar e, claro, está se sentindo mal por isso.
Pra completar, já lidei com um colega progressista que num espaço de dias meteu vários tuítes gordofóbicos e justificou que estava falando sobre o corpo dele e só. E, só depois de um tempo conseguiu entender como foi babaca.
Nesse meio tempo, esbarrei em médico alarmista dizendo que pessoas gordas morrem mais de Covid-19 e Influenza, embora, claro, nenhum deles nunca tenha apresentado um estudo relevante sobre, é bom lembrar e nós saibamos que o que falta - e mata - é a (falta de) qualidade do atendimento de pessoas gordas.
E, claro, num dos poucos encontros que tive antes do final do ano, ouvi colegas dizendo que a barriga (inexiste, lógico) é algo que incomoda e vi gente que não tem mais onde ser magra celebrar a magreza e se dizer de dieta.
Escrevo, repetidamente, sobre isso, para dizer como é exaustivo existir - e seguir escrevendo sobre isso, numa clara tentativa de esgoelar para o mundo que só quero habitar este tempo/espaço com a mesma dignidade das pessoas magras.
Mas, claro, este mesmo mundo berra na minha cara que isso é impossível. Pessoas gordas jamais terão o respeito das pessoas magras, quem dirá as oportunidades e acessos. E, em 2022, tô sem vontade de seguir repetindo o óbvio, de seguir implorando pelo básico: respeito.
Estou bastante cansada de ser os textos lidos e aplaudidos e, na prática, as pessoas não colocando porcaria nenhuma em prática e seguindo celebrando seus corpos esqueléticos como se isso as tornasse melhores e fizesse de mim alguém com desvio de caráter ou menos merecedora do que quer que seja esta moeda social vigente e em circulação capaz de proporcionar acessos e afetos.
Talvez eu precise de férias, um recesso maior, mais tempo desconectada das redes ou um novo lugar (mundo) para habitar com todo meu tamanho, mas fato é que começo 2022 bem ‘pokas ideias’, agindo como tenho feito com negacionistas: desfazendo amizades e bloqueando do meu convívio, afinal, estamos em 2022 e não dá mais pra forçar caber em lugar algum, tampouco em relações que sequer fazem o mínimo para respeitar nossas existências!
Feliz Ano Novo!