Você odeia pessoas gordas. E o quanto antes a gente aceitar isso, mais fácil vai ser pra todo mundo.
Veja! É verdade.
Você odeia. Não faz essa cara. Eu sei que odeia. E odeia com força.
Você tem nojo. Vai falar que não? Du-vi-do! Eu sei que você tem pavor. Medo de se contaminar. Você tem mais medo de engordar do que de morrer. Mais medo de não caber nas próprias roupas do que de agonizar sem oxigênio. Mais medo de se tornar o corpo que você tem aversão do que de deixar de existir, afinal, você sabe que contribui para transformar a vida das pessoas gordas em algo quase insuportável.
Você tem menos medo de perder um membro do corpo do que a circunferência da cintura, não é verdade?
Pra você, seria insano receber de volta os mesmos olhares que destina aos corpos gordos. Vez ou outra, pra aliviar a consciência, você vem aqui e comenta "linda", mas em seguida corre, em alta velocidade, pra academia. "Queimar o bacon" que é a expressão usada, né?
Você prefere ter "distúrbios alimentares" a ser uma pessoa gorda, afinal, morre de medo de receber em si os olhares de reprovação e asco que destina a quem tem um corpo dissidente.
Você prefere ser doente do que ser uma pessoa gorda e defende isso dizendo que gordura é doença, afinal, é mais fácil pensar que corpos gordos são doentes e que as pessoas dentro deles tem graves problemas de caráter e ainda não entenderam que o mundo é meritocrático, do que simplesmente entender que não só o mundo - mas também os corpos são plurais.
Por isso, você foge das pessoas gordas. E crítica. E olha com nojo. E sente medo. Mais medo de se tornar o que você julga uma aberração do que de morrer, porque você sabe que se tornar uma aberração desumaniza e ser desumanizado pode ser pior que a própria morte.
Eu finjo que não, mas eu sei que você prefere morrer a ter um corpo como o meu.
Mas, caso isso te seja perguntado, você vai desconversar, silenciar e a gente sabe que não dizer nada é o verniz social que esconde sua fobia.
Por tudo isso, você odeia pessoas gordas, mas, sobretudo, porque se elas existem e vivem, ameaçam tudo que você "conquistou" e se elas forem amadas, sobra o que pra odiar?
Eu poderia dizer que não te culpo. Que é o sistema, etc. Mas eu culpo sim. Eu culpo, porque não aguento mais ser didática. Semanalmente eu escrevo sobre isso. Eu gravo vídeos. Eu faço lives. Antes da pandemia, eu estava fisicamente presente nos espaços falando sobre. Eu não posso obrigar ninguém a querer se informar, mas eu disponibilizo as informações o máximo que posso. Em todas as plataformas e formas que consigo. Se você tem preguiça - ou coisas "mais interessantes" pra se ocupar, a culpa por ser ignorante é sua.
Por isso, escrevo isso tudo na força do ódio. Eu tô absolutamente exausta de ser didática. De ser compreensiva. De ser fofa. De ser legal com a sua gordofobia e sua ignorância. Eu tô cansada de ser gentil com quem está me agredindo. É imenso o esforço que eu faço pra ter retórica e não pagar de louca, descompensada, brava, agressiva, mas é cada dia mais difícil me manter equilibrando pratos na linha tênue que tenta roubar minha sanidade e anula minha humanidade.
Por isso, eu vou dizer que sei sim O QUANTO VOCÊ ODEIA PESSOAS COMO EU.
E vou repetir até que você assuma e a gente quebre esse verniz jogado sobre a nossa relação. Se ela puder ser transparente e você assumir que me odeia, o que muda? Bora praticar isso!
Não é a gordura corporal que mata, mas a gordofobia
Há poucos dias, a enfermeira Mara Abreu morreu após ingerir grandes quantidades de cápsulas de um chá emagrecedor. Ela perdeu fígado, fez um transplante, mas não resistiu. Ela não era uma pessoa gorda.
Minha grande questão é: quem matou ela foi o chá? O exagero? Ou a gordofobia.
Aposto na última, que pressiona pessoas na direção do emagrecimento indiscriminado, como se este fosse a única opção saudável é possível de vida. Algo que me deixa absolutamente exausta, pois sabemos o quão desastroso pode ser. E podemos ver isso aqui. A tirinha da Isa Andrade (@_docontra_) exemplifica isso.
Fulana não era só isso. Seguramente tinha sonhos, lembranças do primeiro beijo, gostava de uma playlist específica, se lamentava por nunca ter visto o artista tal no palco, chorava em alguns momentos, tinha memórias afetivas, etc; e isso tudo não existe mais. Tragado pela gordofobia.
E quando eu falo gordofobia, não estou nomeando algo distante, que só acontece em esferas inalcançáveis. Mas tô falando das suas atitudes. Siiiim! Das suas !
Você mesmo que acredita que a pessoa só pode ser feliz se for magra. Que acha que é impossível existir num corpo gordo. Que diz, pra quem quiser ouvir, que prefere "morrer do que ter o corpo de fulane" ou prefere "morrer a ser uma baleia".
Você que abre o Instagram e repara nos quilos que a pessoa tem e você considera "a mais". Você, que recusa o segundo pedaço de qualquer coisa dizendo que vai virar um monstro. Que ri de qualquer pessoa que seja gorda, que malha incansavelmente para não engordar.
Você, que acha que não, mas odeia pessoas gordas. Odeia tanto, que busca justificativas pra morte da Mara Abreu. Diz que foi a marca do chá, a qualidade da erva, a quantidade ingerida, a falta de exercício físico.
Você só não enxerga o óbvio: foi sua culpa. Sim! Sua e de todo mundo que pensa exatamente igual a você: que magreza é sinônimo de esforço e estilo de vida. Que pessoas gordas não tem saúde porque não querem.
E por falar nisso: NUNCA FOI SOBRE A SAÚDE
No final de semana, uma mulher e seus familiares viveram um drama impensável na cidade de Arembepe (BA). Ela foi internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) com suspeita de Influenza e precisava ser transferida pela UTI em razão da gravidade do caso. Demorou mais de 24 horas para que isso fosse possível, já que as ambulâncias que eram enviadas não tinham maca para pessoas gordas.
Agora, vamos combinar: METADE da população é gorda. Por que não existem macas que caibam estas pessoas?
Sério. Qual a dificuldade em fazer equipamentos DE SAÚDE que caibam as pessoas que precisam de saúde?
Porque se o discurso é de que pessoas gordas são doentes. Por que elas são desumanizadas ao buscar a saúde?
Supondo que fosse verdade a máxima de "toda pessoa gorda é doente", por que estas não conseguem acessar os equipamentos de saúde? E seguem sendo ridicularizadas?
Você trataria mal uma pessoa que te dissesse ter câncer? Diabetes? Lúpus? Aposto que não. E por que trata mal pessoas gordas, já que você se vale do argumento de que são doentes. Se são doentes, precisam de cuidados e não de hostilidade!
Você hostilizaria um familiar seu que precisa de cuidados médicos? Então por que raios você maltrata pessoas gordas que buscam atendimento para questões de síndrome gripal e manda a máxima "pessoas gordas usando meu dinheiro no SUS". Bom, se pessoas gordas, na sua cabeça, são doentes, nada mais justo que usaram o sistema de saúde para tratar a própria doença, não é mesmo?
Sejamos honestos: você tá pouco se importando se as pessoas gordas são ou não doentes ou se precisam de atendimentos médicos. Porque você odeia pessoas gordas, acabamos de destrinchar isso ali em cima, fato é que você quer expor sua suposta superioridade moral por ser uma pessoa magra.
Na sua cabeça, você precisa acreditar que pessoas gordas são gordas por rebeldia, por desobedecerem as normas, por não se sujeitarem aos procedimentos estéticos, por não fazerem dietas restritivas. Você não quer que pessoas gordas tenham saúde. Não quer, tampouco, que pessoas gordas emagreçam.
O que você quer é que pessoas gordas sofram por serem gordas. Que sejam punidas por terem corpos diferentes do que manda o padrão - ainda que isso seja por questões de saúde e não do quanto elas se esforçaram ou deixaram de esforçar em dietas e academias.
O que você quer é se gabar de ser uma pessoa magra. Quer se vangloriar dos seus próprios privilégios - que a gente sabe, são muitos - ainda que você não se esforce minimamente por eles e seja muito mais uma questão genética. O que você quer é alimentar a perversidade magra que te habita para rechaçar e punir as pessoas gordas, ainda que elas não tenham te feito nada.
Por fim, é só isso: você odeia pessoas gordas!