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Estado de Minas DATA

Por que você anseia pelo combate às pessoas gordas?

Disfarçado de preocupação com a saúde, o 'combate à obesidade', é na verdade, uma guerra contra os corpos gordos e suas existências


04/03/2022 06:00 - atualizado 04/03/2022 13:03

Jéssica usa sutiã e tem a palavra coragem escrita no braço
Jéssica: 'ninguém aqui está negando que todos os corpos, de todas as pessoas precisam de saúde' (foto: Lu Alves/Divulgação)

 
O que você quer dizer com ‘combate à obesidade’? Do dicionário, combate significa ‘militar, luta entre grupos pouco numerosos de forças militares, de extensão menor que a batalha; luta entre gente, armada ou não’. 

De acordo com a World Obesity Federation (Federação Internacional da Obesidade), a data antes em 11 de outubro foi alterada para 04 de março desde 2020. Aqui, chamo a atenção que, ter um dia ‘contra a obesidade’ é uma prática bastante gordofóbica. 

Disfarçado de preocupação com a saúde, o ‘combate à obesidade’, é na verdade, uma guerra contra os corpos gordos e suas existências. Normalmente, combatemos guerras, endemias, pandemias, comportamentos abusivos e degradantes. Corpos estão aí para viver, existir e celebrar. 

A existência da data já mostra como a sociedade e a medicina operam para não só nos fazer deixar de existir, mas, caso teimemos em seguir por aqui, como vamos ser penalizados, hostilizados e excluídos. A desumanização da pessoa gorda é real. 

É importante lembrarmos que a gordofobia é um sistema de opressão estrutural que não só coloca as pessoas gordas em situação de injusta desvantagem diante do mundo. Para que ela exista, é preciso que haja mantenimento através da sociedade liberal e capitalista, que preza por corpos normativos e inseridos dentro de um contexto de compra, venda e desejo, que exclui pessoas gordas e/ou que desobedecem as normas postas. 

Além disso, essa mesma opressão estabelece erroneamente o conceito de meritocracia para os corpos, entendendo e vendendo a ideia de que, para ser magro, basta querer e que, pessoas gordas possuem corpos maiores em razão de um desvio de caráter, um fracasso físico e moral, uma inabilidade de ‘comer menos’, entre outros fatores, cuja visão é sistematizada em práticas coloniais e pouco humanas e sociológicas no que diz respeito aos corpos. 

Já obesidade, como já falei aqui nesta coluna
, é um termo criado pela medicina exclusivamente para designar os corpos gordos com alguma comorbidade, mas empregado erroneamente a todos os corpos gordos. 

Enquanto o Índice de Massa Corporal (IMC) criado em 1832 pelo matemático Lambert Adolphe Jacques Quetelet for o único indicador de corporeidade, viveremos numa sociedade que atua no preterimento das pessoas gordas. 

Sabemos que o termo obesidade foi construído a partir de um paradigma científico patriarcal e mercadológico e, por conseguinte, tratar destes corpos em lugar de combate é, essencialmente, querer exterminar as pessoas gordas do mundo. 

Pode parecer absurdo, mas, a grande questão é: por que você quer exterminar corpos gordos?

Sá escreve palavras no corpo de Jéssica
'A gordofobia é um sistema de opressão estrutural que não só coloca as pessoas gordas em situação de injusta desvantagem diante do mundo' (foto: Lu Alves/Divulgação)

Antes que os defensores de ‘mas é uma questão de saúde’ apareçam, vamos pensar: ninguém aqui está negando que todos os corpos, de todas as pessoas precisam de saúde, inclusive, parte da proposta é que esta seja acessível a todes e não apenas a pessoas magras. 

Que tal se aproveitarmos a data para refletir sobre como a gordofobia afeta gravemente nossa saúde física e mental e nos trata como doentes que não merecem sequer tratamento humano e digno, distorcendo a visão da medicina acerca dos nossos corpos e nos trazendo consequências graves. 

E, se de tudo, for uma questão de saúde, me diga: você hostiliza e maltrata uma pessoa doente?  Pois é. Então por que faz isso com pessoas gordas?

Minha proposta - e de outras pessoas que são atividades na pauta - é que o dia de hoje seja ressignificado e, ao invés de táticas absurdas para emagrecimento (chás que provocam a morte, expressões como ‘estupro alimentar’, dietas restritivas e proibitivas, cirurgias mutiladoras, etc) sejam pensadas formas de humanização dos corpos dissidentes, deixando de lado a patologização. 

A ideia é que este dia seja para celebrarmos nossas existências em nossos corpos gordos - sem que sejamos forçades a mudar, a emagrecer, a deixar de ser quem somos - a, literalmente, desaparecer , em nome de uma sociedade gordofóbica, patologizante e eugenista. 

Que esta data, ao invés de combater nossas existências, seja para reivindicarmos nossa autonomia e liberdade corporal de forma individual e também coletiva. Que nos seja resguardado o direito de habitar o mundo do tamanho que somos e que haja saúde e dignidade para isso. 

A sugestão é que nesta data, as pautas sobre procedimentos estéticos, cirúrgicos e disfarçados de preocupação com a saúde sejam substituídos por acolhimento e pelo fim da discriminação, ódio e rejeição dedicados aos corpos que não estão no que é chamado e lido como padrão. 

Se nosso desejo é realmente buscar a saúde, que comecemos a combater, de fato, quem nos tira ela: a gordofobia. 

Que o único combate aceitável seja aquele contra a violência que massacra nossas existências.

Vamos? 


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