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Estado de Minas LIBERDADE DE SER

Foto da raba empodera?

A discussão em torno da depreciação dos corpos, do patriarcado e das subjetividades


14/04/2022 13:53 - atualizado 14/04/2022 14:17

Jéssica Balbina usa calcinha e se escora na janela
(foto: Cintia Rizoli/Divulgação)

 
“Foto de bunda não empodera”, “Striptease é coisa para agradar macho”, “A hipersexualização das artistas do pop”, “O pornô precisa acabar”, “Nem santa, nem puta”, “Somos contra a prostituição”, “Sua foto nua fortalece o patriarcado”. 

Quem é a mulher que nunca esbarrou em frases assim em posts, vídeos, reportagens ou, a máxima: numa rodinha entre amigas no bar?

Como as frases feitas de um feminismo neoliberal e supostamente preocupado com o bem-estar da mulher são, na verdade, um cárcere com sinal trocado: vende-se liberdade e empoderamento, mas caga-se regra como qualquer igreja neopentecostal ou bancada evangélica, cheia de: não faça isso, tem que fazer assim, fulana não é feminista porque posta foto com a bunda de fora, ciclana só quer biscoito. 

E nessas, vamos encarcerando subjetividades e o que poderia ser, de fato, um debate acerca do corpo e das liberdades - e desejos -  que temos sobre o mesmo. 

Durante muito tempo, tive medo de expor meu corpo. Não por causa da hipersexualização, devo dizer. Mas por achá-lo inadequado. E quando eu finalmente consegui fazê-lo, foi libertador. Não só porque encontrei uma aceitação que sempre busquei, mas porque, mesmo me vestindo de um discurso sobre como é político exibir um corpo gordo e dissidente sem roupas, consegui me encontrar comigo mesma. 

Dito isso, faço um convite pra reflexão: por que o corpo e a sensualidade das mulheres incomoda tanto? 

E incomoda, inclusive, outras mulheres. E, podem caçar, mais uma vez, minha carteirinha, mas precisamos falar sobre isso. Precisamos falar sobre como alguns discursos que se pretendem feministas encarceram as subjetividades e as performances individuais em caixinhas. 

Nem tudo é sobre o patriarcado. Meu corpo, nu, na sua timeline pode dizer do meu luto, pode dizer de saudade, pode dizer de desejo, pode dizer de tantas coisas mais do que provocar algum homem. Pode, inclusive, despertar desejo em outras mulheres. Pode ser só uma objetificação, mas pode conter um poema, um textão, uma reflexão. Pode ser parte do grande quebra-cabeças que sou. 

A sensualidade não só empodera, como é parte da celebração de quem somos. Num país em que quase 700 mil pessoas morreram vítimas de um governo genocida e de um vírus para o qual tínhamos vacinas - e estas foram prevaricadas - é preciso que haja celebração e o menor dos nossos problemas é que ela seja sexual, que seja embalada por um funk explícito da Anitta, da Ludmilla, da Pocah, de quem quer que seja. Pouco importa se essa celebração é com a bunda pra cima, de fora, rebolando. O rebolado é, também, uma forma de combater a tristeza que se abate sobre nós enquanto nação. 

Não tentem tirar as alegrias dos nossos corpos. Nós, corpos dissidentes, já somos privados de tanta coisa: afeto, alegria, convívio, empregabilidade, etc. Por que, então, quando nos empoderamos, querem nos tirar isso?

Mas e se forem corpos padrão? Também. Tudo que tenta regular, castrar ou ameaçar o prazer corporal, sensual e sexual alheio em pleno 2022 é o que senão moralismo?

É moralista pra caramba achar que uma mulher não pode expor o próprio corpo para vender a própria arte. Caso não saibam, mulheres trabalham, no mínimo, 8h por dia, muitas vezes, pra sobreviver. E há aí também uma degradação do corpo. 

Meu corpo não é degradado só quando eu rebolo a raba ao som de um funk ou quando eu posto um nude na sua timeline. Ele sofre com a degradação enquanto eu estou  toda intelectualizada escrevendo um texto por horas e horas a fio. 

Por que uma é aceitável e a outra não?
 
Jéssica Balbino está de calcinha no contra-luz da janela
(foto: Cintia Rizoli/Divulgação)
 
Muitas pesquisadoras vão questionar a ‘suposta’ liberdade sexual que a exposição dos corpos traz. Do lado de cá, penso e sei que burcas nunca impediram estupros, logo, não é a roupa curta (e de novo, mulheres endossando esse discurso) que faz com que alguém seja violentada. Assim como, nem sempre a ausência das roupas tem a ver, exclusivamente com a liberdade sexual, mas, por que não teria?

E por que tentam regular isso?

Arrisco a dizer que liberdade é o que eu entendo como um lugar em que o medo não se cria. Liberdade é poder se lançar no próprio desejo, matando a culpa. 

Expor corpos não é só uma radicalização da narrativa, mas é um claro anúncio de que: meu corpo é meu. E ele precisa realmente ser meu. E, entendendo como sendo meu, ele pode ou não ser sexualizado, sensual, empoderado ou não. O que não dá para ser é regulado, por quem quer que seja. 

Tentar impedir a nudez com o discurso de que isso rotula mulheres e/ou que escanteia o talento é tão patriarcal quanto homens em frente a um filme pornô. É tão regulador quando o Estado, que se pretende laico, mas não autoriza o aborto. 

Se o meu corpo é meu, faço dele - e vendo-o - como e o que eu quiser. Se, pro meu texto ser lido eu preciso me valer de uma foto só de calcinha na timeline, que seja! Se, pra ser desejada, é isso que está em voga, que seja. Se, pra desejar, eu precisei me expor, que seja. Há muito do que eu sou, enquanto sujeito, que está em jogo também por aqui e não só o que outras mulheres que, pudicamente, desejam não ver - ou não querem encarar, sobre si mesmas. 

E, veja bem, este não é um texto contra outras mulheres. Mas é um texto para dizer que sim: eu posso sensualizar meu corpo, afinal, ele é meu. E sim, outras mulheres podem não querer/desejar o mesmo. E tudo bem também. O que não se pode é querer fazer contorcionismo retórico acerca disso. 

É dada a hora de pensarmos para além do moralismo, inclusive o que nos atravessa e nos perguntarmos o que há de tão incomodo, seja nas divas pop, seja nas nossas amigas, que exibem seus corpos, suas rabas, sua sexualidade e sua liberdade. 

Afinal, a liberdade pode ser ter uma família nuclear com marido, filhos e férias na praia e pode também ser um ensaio com nudes exposto e patrocinado nas redes sociais. A liberdade pode ser o que faz cada um mais feliz. E não deve - nem precisa - ser regulada por terceiros. 

Da minha parte, lamento pra quem se sente mal com minhas fotos pelada - eu vou continuar postando. Me ver, pelo olhar dos fotógrafos, não só me empodera, mas me faz gostar mais de mim. Ter momentos, com meu corpo, me faz sentir prazer. Poder dizer quem sou, esteticamente, através de nudes, faz com que meu trabalho chegue mais longe. 

Subjetivamente, minhas fotos sensuais e sexuais me fazem uma mulher intelectualmente mais eficiente. Que sorte a minha. Que azar de quem ainda não se permite o suficiente para lidar com isso.

Permitam-se! 

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