Juro que eu tentei não entrar no tema e na polêmica, mas não consegui. Como acontece toda semana, a internet se juntou nesta para discutir quem é que paga a conta em jantares românticos: o homem? a mulher: os dois dividem? Isso aconteceu após uma declaração de do ator Caio Castro sobre pagar ou não o jantar e, por dias, a conversa seguiu, virando, inclusive meme, sobre este ser o possível tema da redação do Enem neste ano.
Mas, piadas e risadas à parte, além desta ser uma questão absolutamente heteronormativa, afinal, e se o date for entre dois homens ou duas mulheres? E se for entre um trisal? Enfim, sinto uma preguiça imensa de como se pensa a sociedade apenas de uma forma patriarcal.
Entretanto, o grande questionamento, pra mim, é o que fez a Tia Má no Twitter: “Quem paga a conta de quem nunca é convidada para jantar?”
Quem paga a conta de quem nunca é convidada para jantar?
— Maíra Azevedo %uD83D%uDC60 (@tiamaoficial) July 28, 2022
Quis não falar sobre, mas não consegui diante da provocação, senti essa necessidade e lembrei de um tuíte que fiz há alguns meses, lembrando que, quando estamos falando de uma mulher magra, nos aplicativos de paquera e também na vida offline, a mensagem que ela recebe é: vamos sair pra jantar? Quando estamos falando de mulheres gordas, sobretudo as racializadas, vale dizer, a mensagem é sempre: quero te arregaçar.
E essa é uma regra, ainda que vez ou outra, apareçam algumas mulheres gordas para dizer: sou gorda e sempre fui muitíssimo bem tratada. Claro, sempre temos as ‘alecrim dourado’ no campo, né?
Porém, urge o debate: quem é que paga a conta da mulher que nunca é convidada para jantar?
E nunca é convidada por homens, por outras mulheres, por pessoas não-bináries. Estamos falando do limbo afetivo. Do nunca experimentar como é um jantar romântico.
Eu nunca fui convidada para um jantar. De onde escrevo, gostaria de dizer que sei como é um jantar a dois. Mas não, eu não sei. Eu nunca recebi esse convite. E as vezes que convidei foram negadas. Assim como eu nunca recebi flores de forma romântica. Depois que escrevi sobre isso - e a bestialização do corpo da mulher - amigos e amigas me deram flores e eu amei o gesto. Porque me fez sentir amada. Mas, sigo não me sentindo desejada afetivamente.
Eu tenho 37 anos e meus encontros para date quase sempre foram para os fins. Nunca houve um encontro para tomar uma cerveja antes. Um café. Dar uma volta. Ir ao cinema. Comer alguma coisa. É sempre no tom do ‘vou te arregaçar’. E naquela lógica punitivista do desejo que deve permanecer oculto. Afinal, sendo eu uma mulher gorda, devo ser punida por despertar esse desejo em alguém e mais: devo ser punida de forma escondida, no escuro. Nunca às claras, nunca para as pessoas verem.
E, neste escuro que dura uma vida inteira de um não lugar, de uma negativa de afeto e desejo, que pago - altíssimo - a conta por ser uma mulher fora dos padrões. Por não estar, sequer, “me esforçando” para emagrecer.
Essa conta da mulher que nunca é convidada para jantar é paga por ela mesma. E quem dera fosse paga em dinheiro. O custo é muito mais alto.
Há quem argumente: ah, mas eu pago meu próprio jantar. Poxa, que bom. É o que se espera de pessoas adultas: que elas paguem as próprias refeições. Mas, espera-se também que elas sejam desejadas. Que alguém queira a companhia delas também pra um jantar e não só pra arregaçar.
Viralizou, nas redes também, um print de uma moça dizendo que “na faculdade, quando fiquei sem grana pra comer, eu entrei no TINDER e, em 16 dias eu tive 16 encontros (jantares). Uma garota precisa comer”.
É um meme? provavelmente. Mas, me cansei de ver amigos compartilhando-o exaustivamente. Porque é engraçado? Pode ser. Mas é também engraçado rir do privilégio que se tem, enquanto há um grupo pra lá de oprimido e invisibilizado do outro lado.
Mais do que isso: me irrita profundamente mulheres brancas e magras compartilhando o meme, se deliciando com ele ou com os convites para jantar negados e, ao mesmo tempo, fazendo propaganda do procedimento x, que reduz até y centímetros de barriga em n tempo, desde que não se come farináceos e/ou carboidratos. É preciso passar fome, caso se queira receber um convite para comer, é a mensagem que me chega.
Além, claro, do deboche. O perfeito deboche, das mulheres muito magras, que, vestindo seu manto inabalável do feminismo - aquelas que só leem e ouvem mulheres, exceto, claro, se forem mulheres fora do padrão - dizem que é preciso olhar também para as mulheres muito magras que também nunca foram convidadas para o jantar, ou para as que ‘estão apenas 7kg acima do peso, mas, ainda sim, nunca mais foram convidadas para um rodízio de sushi’.
Toda e qualquer tentativa de trazer pra si a questão e/ou de invisibilizar o problema cai no lugar da opressão e do silenciamento. Da falta de empatia. Daquele problema que não é nosso e, por isso, não merece nossa atenção. “Se não muda nada no meu dia a dia, dane-se”.
É o mesmo lugar das mulheres que reclamam que ‘não aguentam mais receber flores no dia 8 de março’, em contraponto às que nunca ganharam uma flor fora desta data, que nunca receberam uma rosa que não fosse do chefe no Dia Internacional da Mulher.
Urge que a gente desça do nosso banquinho de privilégios e olhe para o lado. Essa é uma conta altíssima que a mulher gorda vem pagando há muito tempo. E não pode falar sobre isso. Porque se falar, não tá considerando a mulher trans, a mulher preta, a mulher mãe, etc. Existe sempre uma pauta que está sobrepondo a da mulher gorda, que não encontra afeto nem dentro, nem fora dos movimentos.
Que segue tendo que pagar o próprio jantar - e conta alheia, que não para de aumentar.