“Todos têm direito a escuta”. E é isso que eu desejo neste Dia do Psicanalista, comemorado no dia do aniversário do ‘pai’ da psicanálise, Sigmund Freud. E aproveito o momento para falar dela: a psicanálise.
Que tá na boca do povo: amada, odiada, temida, desprezada e, sobretudo, desejada. Chamada de pseudo ciência e chave de muito: inclusive da minha falta de atenção, que estava, no dia de ontem - erroneamente - achando que era 06 de maio e mandando parabéns pro meu analista (ato falho? Freud, corre aqui!) e confessando, sem qualquer puder, que, do auge da minha histeria ‘sei’ que sou a paciente preferida (inclusive, vou aproveitar essa coluna para dizer: obrigada por me acolher!)
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Saudade das tardes de verão, do divã, do meu antigo analista e, em busca de aplacar minimamente a angústia - esse único afeto que não mente - cá estou lendo o “Entre sessões - psicanálise para além do divã”, do Lucas Liedke (ed. Paidó).
Para não dizer que não falei do livro, que tem prefácio da cantora Letrux, trata-se de um compilado que se questiona: até onde a psicanálise pode ir na nossa vida cotidiana? Arrisco a dizer que, tal qual um polvo, ela toma, em tentáculos, quem se permite tomar. Por aqui, está em tudo.
Um livro cuja primeira pergunta é: “E fora do divã, como vai a psicanálise?”. O próprio autor nos diz que tentou escrever um livro que não falasse demais, mas se propusesse a ouvir, tratando, principalmente, da potência da psicanálise como instrumento de conhecimento e desconhecimento.
E a experiência que está no divã - a verdadeira - acontece também fora dele. Entre uma sessão e outra, de fato. O livro é uma obra para analistas, mas também para quem flerta com esse universo.
É aquele livro para o crítico recalcado do Twitter, que fica dizendo: o que Freud diria se estivesse vivo hoje? Estaria puto com tanta psicanálise ou estaria dando um sorrindo de canto de boca?
A mim, interessa que haja tanta psicanálise assim. E que mais pessoas possam ter o direito - para além do desejo - de se analisarem. Que isso seja possível. Que seja nas praças, que seja nos locais públicos, que seja nas periferias. Que seja, enfim, para os nossos corpos. Dissidentes no divã. Que a gente possa exercer a escuta não apenas no mês de setembro. Que nosso corpo e nossos ouvidos estejam atentos, para além do nosso ‘inbox’.
Freud está pop. E que bom. Que bom que temos psicanalistas que pensam para além da superioridade moral que afeta alguns e que se acham bons ou exemplares demais para trocar com quem ‘não é par’, ou que o fazem sem rigor algum, transformando a psicanálise num monstro invasivo e debochado.
Mas, eu, entusiasmada e histérica que sou, cá estou para falar sobre, justamente, o que acontece entre uma sessão e outra, um analista e outro, uma leitura e outra.
Eu sonhava, com meu antigo analista, em ter divãs públicos. A gente acreditava que, assim, teríamos alguma chance contra o negacionismo, contra a barbárie, contra o fascismo. Descobri, recentemente, que outras pessoas não apenas sonham, mas realizam isso.
E dei meu jeitinho de me infiltrar. E a cada vez que alguém diz que é uma pseudociência, tenho vontade de exibir cenas da minha vida num telão em praça pública e perguntar, no melhor estilo: pseudociência faz isso?
A psicanálise é para todos e fico imensamente feliz quando me deparo com projetos como o Redes para Escutas Marginais (REM), do qual orgulhosamente faço parte, o Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que planeja, para o segundo semestre, o “Projeto Ubuntu”, o 2º Colóquio Internacional de Decolonização e Psicanálise, bem como o “Pontes da Psicanálise” do Erico Andrade, em Recife (PE), que semanalmente, pratica a escuta coletiva a fim de trilhar novas encruzilhadas. Como o Perifanálise, com atendimentos psicanalíticos na e para a periferia de São Matheus, em São Paulo (SP).
Haja disposição para ouvir as dissidências. E que bom. Que este percurso de paixões, sonhos, frustrações e desejos seja, então, possível. Que neste dia, possamos abandonar as certezas e abracemos a ambivalência, o fracasso, a dualidade, os conflitos. Que celebremos mais o ‘e’ do que o ‘ou’ e que nossa verdade alcançada seja sempre uma verdade que ouve mais do que fala.
Ainda citando o Lucas Liedke no seu livro acessível, tal qual a psicanálise se pretende, que possamos pensar nesta enquanto uma linguagem, uma gramática e não como uma forma de distinção, tampouco como um medo de sermos intimidados a prestar contas em relação a tudo que Freud disse. Mas, que possamos enfrentar e entregar o básico: tá liberado. Todo mundo pode.
E que, podendo, saibamos ser decoloniais. Saibamos, de fato, ouvir. Saibamos estar no tempo que pertencemos. Saibamos superar incongruências de Freud, Lacan, Ferenczi, de quem quer que seja. Mas, saibamos reconhecer quem veio antes de nós. Tenhamos a humildade do estudo e da escuta.
Agora, tanto tempo depois, um feliz aniversário, Freud. Você sempre teve razão: A psicanálise é para todes.