Setembro chegou, e com ele, o Dia do Sexo (celebrado em 6/9). Vamos direto ao ponto: Você transa com mulheres gordas?
Enquanto muitos se preparam para celebrar a intimidade e a paixão, é também um momento para refletir sobre algo que muitas vezes passa despercebido: a forma como nos relacionamos com os corpos gordos na esfera do desejo e da afetividade.
Na balada, já perdi as contas de quantas vezes fiquei "de canto", até uma pessoa qualquer, depois de ser rejeitada por todas as outras pessoas padrão de quem se aproximou, chega até mim e me leva embora, sempre escondido, pra transar, morrendo de medo de alguém ver. Ou, de quantas vezes a pessoa só disse: "vou te arregaçar", ou de quantos abusos já passei na mão de pessoas que exigiram prazer imediato sem sequer me dar um beijo porque tinham nojo do meu corpo.
Já perdi as contas de quantas vezes, em aplicativos, agiram como se estivesse me fazendo um favor. Já esgotei um calendário inteiro contando quantas vezes me disseram que eu só servia para transar escondido mesmo. Já não tenho mais dedos nas mãos para contar as vezes em que fui maltratada sexualmente por ser uma mulher gorda. Em que me pediram para transar sem proteção, em que disseram que eu era "fresca e enjoada" por pedir qualquer coisa, afinal, ninguém me queria mesmo e estar ali comigo era uma espécie de altruísmo que garantiria abertas as portas do céu.
Não consigo, em quase 40 anos, contabilizar as vezes todas que fui agredida de formas veladas por ser uma mulher gorda e desejante, querendo ter uma vida sexual. Seja em festas, bares, aplicativos, grupos de amigos. Já cansei de ser o "café com leite" das turmas, o corpo dessexualizado, a pessoa que é lida como não transante, a última opção, a opção para sofrer violências, a opção que só poderia ser ligada à sadomasoquismo, afinal, sou gorda e, no imaginário, quem é a mulher gorda que merece amor?
Já cansei de dizer que estou há muitos anos sozinha e que talvez não seja por opção própria, mas dos outros, que nunca me escolhem. Já cansei de me dizerem: mas você tem que se amar primeiro, como se eu não me amasse e não tivesse consciência do quão interessante eu sou e tenho uma vida interessante também, mas isso não faz com que alguém me deseje, afina, habito um corpo que está muito distante do que é padrão e essa distância é proporcional ao desejo.
Tô absolutamente exausta de me dizerem: isso é porque você só procura corpos padrão e não outros corpos dissidentes para se relacionar, como se essa fosse uma verdade absoluta e a pessoa conhecesse a minha vida. Aliás, tô exausta de tanto me dizerem. Queria que me comessem também (é brincadeira, mas é sério).
Eu já cansei de ser a melhor amiga gorda e falei disso aqui. Já cansei de ser só um corpo ou um intelecto e essas coisas nunca caminharem juntas.
Nesse dia do sexo, confesso, se me chamassem para transar, talvez eu recusasse, haja vista o tanto que estou exausta.
Pensa em como é exaustivo viver uma vida em que você é tratada como um ser bestializado, sequer é lida/vista como uma mulher e praticamente tem que implorar para que transem com você? - Já falei da bestialização da mulher gorda aqui.
É cansativo ser lida como não-humana, dessexualizada, ou, na melhor das hipóteses, ser hipersexualizada e fetichizada, como um pedaço de carne no balcão, exposto. Ser vista com desejo e repulsa ao mesmo tempo. Ser tratada como um objeto.
Flutuar entre ser um ser objetal e abjetal são coisas que me deixam totalmente estafada. E, honestamente, nesse dia do sexo, gostaria de sugerir que pensássemos sobre isso e que, ao invés de dizermos: "mas se não está satisfeita, é só emagrecer" ou "ninguém é obrigado a gostar de gente gorda", que tivéssemos a maturidade necessária para avançar no debate e entender que escolhas são, sim, pautadas pelo ambiente social e que é urgente falarmos sobre isso.
É interessante notar como, em um mundo obcecado por padrões de beleza, o desejo por corpos fora desse padrão pode ser encarado com surpresa. Muitos se questionam se fazem parte do imaginário de desejo de alguém com corpos assim. E aí, como você se relaciona com isso?
Em outros momentos, já falei sobre isso na coluna. Tanto aqui, ao falar de desejo desviante e fetichização, como aqui ao falar sobre sexo, violência e apagamento como as únicas opções da mulher gorda.
O apagamento social que a mulher gorda enfrenta é uma realidade dura, especialmente em uma sociedade que muitas vezes promove um ideal inatingível de beleza. Setembro é o mês da luta antigordofobia, e é um lembrete de que, mesmo em questões de afetividade e sexo, precisamos enfrentar nossos preconceitos e estereótipos.
Quantas vezes nos deparamos com a ideia de que mulheres gordas devem "topar tudo" no sexo porque "seria raro transarem"? Isso é profundamente fetichizante e desrespeitoso. Cada indivíduo, independentemente de seu corpo, merece respeito, consenso e desejo mútuo em suas experiências sexuais.
E quanto àqueles momentos na balada em que você se sente atraído por alguém que não se encaixa nos padrões tradicionais de beleza? Você paquera abertamente ou espera para "pegar escondido", com medo do julgamento dos amigos? É hora de deixar o medo de lado e celebrar a diversidade.
A verdade é que a atração sexual é uma experiência única para cada um de nós, e não há uma resposta certa ou errada. No entanto, é fundamental lembrar que os corpos gordos são habitados por pessoas, com desejos, sentimentos e aspirações, assim como qualquer outra pessoa.
Se você se identifica como sapatão, isso não deveria excluir mulheres gordas do seu universo afetivo. A diversidade é bela, e o amor e o desejo não têm limites quando se trata de corpos. Ou você só fica com "sapadrão"?
É importante também mencionar que usar desculpas de saúde para se esquivar de encontros com corpos gordos é uma atitude que perpetua o estigma e a exclusão. A famosa "preocupação com a saúde" não deve ser usada como um pretexto para discriminar ou evitar relacionamentos.
Me conta, você defende que não se relacionar com pessoas gordas é “questão de gosto” mesmo dentro do seu progressismo? Ou você acolhe o desejo e entende que corpos gordos são habitados por pessoas e troca fluidos com essas mulheres também?
Para as pessoas gordas, é fundamental lembrar que são desejadas e merecem uma vida sexual satisfatória. A autoestima é uma jornada, e todos merecem sentir-se bem consigo mesmos e encontrar parceiros que valorizem seu corpo e sua essência.
E você, pessoa gorda, sente que é desejada? Tem sexo satisfatório? Transa? Como é sua vida e saúde sexual?
Neste Dia do Sexo e durante todo o mês da luta antigordofobia, convido você a refletir sobre suas próprias atitudes e preconceitos em relação aos corpos gordos. Vamos celebrar a diversidade e lembrar que o desejo não têm tamanho, forma ou cor.