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Coluna

Escola pública: equidade, coordenação, eficácia e coesão

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Sociedades permanecem muito desiguais quando não resolvem situações de “pobreza”. Ignoram o que seja o propósito republicano de gerar e garantir a igualdade razoável de oportunidades. Ainda que pratiquem a democracia eleitoral, a permanência de desigualdades inaceitáveis e a ausência de oportunidades resultam em uma negação em ato dos valores da própria democracia. No Brasil, desde a abolição esse é o padrão recorrente de escolhas dos “donos do poder”.


Exemplo atual disso? Aqui, as novas elites do serviço público fixaram uma nova forma de dominação social: a tirania de uma burguesia burocrática de Estado nutrida por privilégios de castas. Caminham na escuridão moral lado a lado com as castas de mercado que “legalmente” sonegam impostos. Donatários de dividendos não pagam imposto. Os muito ricos (1% da população) e os ricos (5%) pagam na pessoa física alíquota de Imposto de Renda igual à do cidadão de classe média. No país, hoje, tem-se a impressão de que “o oportunismo compensa”. Tão ruinoso quanto, a educação básica estagnou em patamar muito baixo de aprendizado dos alunos.

 

O reformismo fraco praticado por FHC, Lula e Dilma não ousou redistribuir estruturalmente poder social e renda. Constitucionalmente democrática, nossa sociedade nada tem de republicana. Somos uma democracia fraca. Oportunidades são geradas e garantidas quando, primeiro, se institui e se perpetua política pública de educação básica de qualidade para todos, acrescida das chances para o prosseguimento de estudos posteriores (tecnológico ou acadêmico) para todos.

São garantidas quando governos, em sucessão, universidades, empresários e trabalhadores pactuam contrato pelo desenvolvimento para crescer a produtividade do trabalho e financiar o bem-estar social e a redistribuição da renda. Esse é o caminho sustentável para a sociedade elevar o valor da renda-trabalho e praticar solidariedade. Novas gerações dispõem de oportunidades quando os valores democráticos são consensuais e fortes o suficiente para bloquear a voz e a vez das subculturas pautadas por preconceito, além de bloquear a formação de castas nutridas pelo Tesouro público. Forma-se, assim, uma cultura política republicana.



 

Nesse governo, temos um MEC tão avaro em ideias quanto pródigo no engajamento em fanfarronice ideológica. Amesquinhou-se na posição de ventríloquo de um governo promotor de guerra perpétua ideologicamente orientada para destruir os já frágeis consensos democráticos básicos inscritos na Constituição de 1988. É claro que esse quadro geral adverso e hostil dificulta construir e praticar educação de qualidade para todos. Contudo, não impede! Da década de 1990 até hoje avançamos no que concerne à inclusão escolar, um aspecto da equidade em educação. É um ponto de não retorno.

Não obstante, sob diferentes governos democráticos de reformismo fraco, a escola de educação básica pública permaneceu sob situação de estagnação inercial no que concerne à qualidade do aprendizado. Formamos coortes anuais e produziremos mais uma geração de analfabetos funcionais escolarizados! O fato novo é que há exceções notáveis. Pesquisas evidenciam que a escola e as boas práticas de política pública fazem a diferença! Exemplos: ao redor de Sobral, no Ceará, cerca de 40 municípios, alguns no Piauí, encontram-se entre os 100 melhores na educação básica no país, segundo o Ideb.

 

Somos uma democracia federativa. Nela, estados e municípios dispõem de capacidade decisória razoável para fazer e implementar escolhas e políticas públicas sustentáveis. A Constituição de 1988 promoveu reforma forte no financiamento público da educação básica. Seja como for, persiste uma relativa escassez de recursos. O investimento por aluno ao ano é insuficiente e menor do que o praticado na Argentina, Chile e Uruguai. No entanto, semelhante a países desenvolvidos, investimos cerca de 5,7% do PIB em educação. Sem embargo, perseveramos na prática de iniquidades.


Exemplo: cerca de 60% do orçamento do MEC destina-se ao ensino superior público federal, com apenas 2 milhões de alunos, por contraste com mais de 40 milhões de alunos da educação básica pública. O custo-aluno ao ano de universidade federal é quatro vezes maior que o da educação básica pública. Mas a pior forma de escassez é a escassez de racionalidade ou de virtudes na gestão governativa da educação pública. Resulta em escassez de ideias, de resultados e de meios. A falsa consciência quer o controle dos meios sem compromisso com os fins.

 

Sociedades democráticas e republicanas formam consenso verdadeiro sobre o que seja justiça como equidade. John Rawlls sugere que a ideia de justiça como equidade é central na agenda da democracia. Qualquer grupo social pacífico que tem algum tipo de propósito razoável mantém-se estável quando resolve dois desafios: organizar a ação coletiva e gerar coesão interna. A escola não é diferente. Instituição, existe para realizar propósitos. Para alcançá-los razoavelmente precisa formar consenso forte sobre quatro fundamentos: praticar justiça como equidade, coordenar as ações, agir com eficácia (cumprir promessas) e produzir confiança.

Tem-se ética da responsabilidade e compromisso. A trindade justiça-coordenação-eficácia propicia a coesão. Gestão eficaz requer liderança e autoridade legitimada dia a dia no testemunho. Clareza de propósitos, trabalhar em equipe, fazer cumprir contratos e garantir a realização de objetivos e metas: é o cimento. Populismo em escola e investidura apenas eleitoral na direção escolar produzem consensos fracos. A boa escola é uma escola de democracia, de republicanismo e de forte compromisso com o aprendizado de excelência. Utopia?

 

 João Batista Mares Guias é sociólogo, ex-secretário de Educação de Minas Gerais e consultor em educação