Clube de maior torcida do Brasil, marca mundialmente famosa, jogadores renomados, treinador europeu, time voando baixo e na bica de garantir dois troféus de expressão... Toda essa badalação em cima do Flamengo nos últimos dias e, em especial, às vésperas da final da Copa Libertadores, era de se esperar. Até tempo real do voo, do Rio de Janeiro à cidade peruana de Lima, palco da decisão do torneio continental, amanhã, contra o River Plate, foi feito. O rubro-negro monopoliza os noticiários do Oiapoque ao Chuí. E depois do jogo contra os argentinos ainda vai ter pano pra manga com a definição do título do Campeonato Brasileiro, que pode vir já no domingo. Se você gosta do time da Gávea, será um deleite. Se não gosta, é mudar de canal e ver filme, novela, seriado, etc...
Para alguns times, especificamente, essa flamengomania na crônica esportiva veio em boa hora. Ajuda a abafar crises, a tirar o foco da pressão, a desviar a atenção que estava em sevandijas e afins. Aliás, o protesto desse torcedor do Cruzeiro letrado no linguajar biológico foi o que de melhor apareceu nos últimos tempos na seara futebolística. Nada de “ou joga por amor ou por terror”, “bando de mercenários” ou ainda “fora, fulano; fora, beltrano”.
Desta vez, o recado foi dado até com certo garbo e elegância. Como numa crônica de Eduardo Galeano, numa tirada de Nelson Rodrigues. E, pode crer, fez mais efeito moral que qualquer um desses lugares-comuns usados para xingar jogador. Se o autor da pichação lançasse mão dos termos parasitas ou vermes (sinônimos de sevandijas), ninguém ia dar muita bola. Mas com o sevandija, acertou em cheio. Ontem, quem não estava falando do Flamengo estava falando dos sevandijas.
Quando a manobra é boa assim, não ofende. Até torcedores do próprio Cruzeiro entraram na onda, fazendo uma nova versão para um cântico tradicional entoado nos estádios, que se tornou uma espécie de segundo hino celeste. Os versos em nova roupagem sugeridos por internautas em um post de contribuição coletiva nas redes sociais ficaram assim: “Dizem que somos mentecaptos da cabeça/Bem-queremos o Cruzeiro, não se oblitere/O universo peremptório reverencia la bestia afrodescendente/Lograremos êxito e não esqueças/Nós somos desprovidos de sanidade, somos Cruzeiro”. Digamos assim, um estilo bem Ptolomeu, personagem nerd da Escolinha do Professor Raimundo.
Quem são os sevandijas em questão, que o protesto quis atingir, vai depender da análise de cada um. As apostas recaem principalmente sobre Thiago Neves, que desde que assumiu a camisa 10 celeste, no início desta temporada, não teve atuações muito inspiradas. Como TN30, ele era mais mortal, mais útil à Raposa. Pode ser mera coincidência numerológica – ou não. Fato é que a 10, reservada aos craques do time, não caiu bem em Thiago Neves.
Outro candidato a sevandija celeste é o atacante Fred. Ao lado de Thiago Neves, dono de um dos maiores salários na Toca da Raposa, tratado como astro de primeira grandeza, mas com desempenho de estrela cadente. Uma mas maiores esperanças de gols da equipe, ele tem apenas cinco gols marcados no Brasileiro, sendo três deles em cobranças de pênaltis. A fase ruim não é recente, e a prova disso é que Fred custou a balançar a rede no Nacional: foi fazer gols apenas na 11ª partida que disputou, diante do Santos, no Mineirão, pela 15ª rodada. Para ilustrar bem a análise da draga de Fred, o centroavante tem mais cartões amarelos que gols no campeonato: são 10 advertências, o dobro das vezes em que foi às redes.
Há ainda uma turma de sevandijas em potencial que não está diretamente na mira da torcida. São o zagueiro Dedé, o lateral Edilson e o meio-campista Robinho, que no segundo semestre deste ano chamaram mais a atenção pela participação na queda de braço pública entre o grupo cruzeirense e o então treinador do time Rogério Ceni do que pelas exibições em campo. Sem contar outros menos cotados, que também estão devendo, e muito.
Como se vê, a crítica pode ter vários alvos no Cruzeiro. Inclusive um alcance mais global, atingindo diretoria, comissão técnica e afins. Para eles, nada melhor do que todas as atenções estarem voltadas para o Flamengo neste momento. É a trégua que queriam para driblar a realidade.