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A saída de Pedro Lourenço do Cruzeiro é emblemática

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Quando o Cruzeiro foi derrotado pelo Palmeiras (2 a 0), em 8 de dezembro, no Mineirão, muita gente imaginou que a queda para a Série B do Campeonato Brasileiro seria o ápice da desgraça, o fundo do poço. Que nada de pior poderia acontecer com a Raposa depois de decretado o inédito rebaixamento para a Segunda Divisão. Pois passado um mês daquilo que se configurava como o maior pesadelo para o torcedor celeste, vem a realidade, muito mais cruel: ainda não é possível determinar quão fundo é o poço cruzeirense. Há mais espaço para descer, e não apenas esportivamente falando.



 

A saída de figuras importantes do grupo que vem gerindo o clube desde 23 de dezembro é sintomática. Mais do que isso: um grande sinal de alerta que precisa ser levado muito a sério por quem ainda está no barco. O movimento, que surgiu sob o signo de uma pretensa união para salvar o Cruzeiro, não teve solidez suficiente para suportar nem um mês de realidade futebolística.

 

Dentro de um ambiente contaminado, os rachas começaram a aparecer. O fato em si não surpreende – a grande surpresa é a velocidade com que o projeto começou a ruir. Mas, para quem acompanha há alguns anos os meandros do futebol, não é difícil compreender. O ambiente do esporte bretão, por si só, não é profissional. E quando o cenário está totalmente desarticulado, como no Cruzeiro, esse abismo se agiganta. Os problemas não se resolvem com medidas meramente racionais. Como o poço, o buraco é mais embaixo.

 

Encabeçado por empresários, o Núcleo Dirigente Transitório do Cruzeiro apostou em ferramentas do mundo dos negócios para tentar recolocar o clube em condições minimamente administráveis no menor prazo possível. Choque absoluto de gestão. Redução de gastos baseada em demissões, diante de um quadro de funcionários inflado, e definição de teto salarial para se adequar a uma realidade financeira sombria. As decisões envolviam tão somente números, ignoravam nomes. As intenções eram boas. Mas daí à prática há um caminho a se percorrer. E em clube de futebol ele é um pouco mais longo e tortuoso. Não se resume a números.



 

Isso porque fazem parte da estrutura de um clube variáveis como influência política, amizades, vaidades, potencial financeiro para investir (ou, no caso celeste, socorrer) e troca de favores. E quando os bastidores estão inflamados como no Cruzeiro a concilição de ideias é muito mais difícil. As diferentes correntes que se solidificaram desde a última eleição para a presidência são causa e consequência do que está ocorrendo agora. É cada um querendo puxar a corda para o seu lado. Olhando para o seu quadrado e desprezando o que realmente importa: o Cruzeiro Esporte Clube enquanto instituição.

 

É possível fazer uma analogia com o meio empresarial, de onde saiu a maioria dos conselheiros que se colocaram nessa empreitada. Nas empresas de família, sobretudo, que como clubes de futebol carregam a paixão incrustada no emblema. Se quem faz parte do grupo se preocupa com o próprio umbigo e não com a estrutura geral, não tem como dar certo. É sinal evidente de derrocada quando cada vértice pensa apenas em si e não se importa que o restante se exploda – esquecendo-se que ele também é parte desse restante.

 

Enquanto tudo está bem, estão todos bem. No Cruzeiro, enquanto os títulos brotavam, estava tudo bem. Torcedor não se importava com endividamento. Conselho não fiscalizava contratação, desvio de dinheiro... Por trás da cortina, no entanto, a dívida crescia, as negociatas se multiplicavam, o solo se tornava cada vez mais fértil para os desmandos. Tipo nas empresas: enquanto o pro-labore está saindo, não há desavença. Os problemas ficam debaixo do tapete. O está por trás desse cenário aparentemente harmonioso? A hipocrisia de uma realidade falsamente pacífica.



 

Uma vez que a crise bate à porta, vêm à tona o lodo. E se alguém se habilita a mexer no vespeiro, adotando pulso firme para resetar o programa e reiniciar tudo, quem estava confortável em meio ao caos dá o grito. Não é qualquer pessoa que está disposta a se sacrificar em nome da coletividade.

 

Pedro Lourenço, que acima de tudo era uma salvaguarda financeira para o Cruzeiro, não suportou esse ambiente contaminado. Pediu o boné ontem. A saída dele é emblemática. E não deverá ser a última.